Por Joaci Góes
Para o arquiteto e amigo Fernando Peixoto!
Há cerca de duas décadas, o jornalista Roberto Pompeu de Toledo concluiu, profético, um de seus artigos na última página da Revista Veja, dizendo que o Brasil estava evoluindo de uma posição de tolerância com a corrupção para se constituir, em si mesmo, numa nação corrupta. Penso que, desgraçadamente, chegamos lá, como os fatos o corroboram à saciedade, dentre os quais o surto agudo da violência crônica que assola o País é, de modo intensamente preocupante, exemplificativo dos descaminhos que percorremos com a sólida convicção da estupidez, quando o estímulo à delinquência e à impunidade vem da curul de nossas instituições.
Recorde-se a frequência com que as redes de TV exibiram os dados da pesquisa eleitoral, de 2022, que conferiam ao candidato Lula da Silva a preferência arrasadoramente majoritária da população carcerária brasileira, algo ao redor dos 90%. Ressalte-se, também, o alto grau de racionalidade do crime organizado do País, tomando como exemplo a imediata execução dos supostos assassinos dos médicos, no Rio de Janeiro, tão logo percebido o equívoco do alvo a ser abatido, como meio de neutralizar a reação em massa do aparelho policial, matando, indiscriminadamente, conhecidos membros do crime, numa demonstração adicional de que são temíveis marginais, mas não são burros.
Uma vez instalado o novo governo, consolidou-se sua associação, parcial ou total, com os demais poderes da República, com o STF, à frente, garantindo a impunidade do assalto ao Erário, observada, porém, para efeito da manutenção do prestígio do discurso populista, a maior severidade contra pretos pobres e putas, bem como contra os “perigosos”, ainda que desarmados e impotentes “golpistas,” que se deixaram apanhar no flagrante organizado pelos novos donos do poder, quando num fenômeno típico do comportamento das massas, um protesto de irresignação cívica se converteu em baderna, proporcionada pela armadilha oficial que afastou todo o tradicional e histórico sistema de proteção das sedes dos três poderes, com o propósito, aparente, de resultar no que se viu.
Os números das pesquisas comprovam que sem o apoio maciço da população carcerária e de seus familiares, Lula não teria vencido as eleições. Como prova da afinação com o Poder, a marginalidade permitiu que um Ministro de Estado do atual governo visitasse, sem o menor desconforto, uma de suas mais violentas comunidades, onde a Polícia e o Exército só penetram com o apoio de blindados. Agora, as FFAA se dedicam, com exclusividade, ao seu papel constitucional de Guardiões da integridade nacional. Parte do programa oficial de emascula-la, segundo pensam muitos, como ocorreu na Venezuela.
Não deu outra: o crime organizado ganhou musculatura e intensificou sua presença, Brasil afora, preferencialmente nos estados sob o domínio dos partidos no poder. O Crime Organizado quer assegurar o seu quinhão, na parte que lhes cabe no butim da República. A firme reação de nosso aparelho policial soou-lhe como intolerável traição ao tácito acordo, e a matança correu solta, assegurando à profissão de policial no Brasil, em geral, e na Bahia, em particular, a indesejável liderança como a mais perigosa do Planeta, em face do número, entre eles, de vítimas fatais.
O domínio da mentalidade delinquente no País é tão ostensivo que é perceptível o crescente e constrangedor silêncio de algumas de nossas personalidades mais emblemáticas da resistência democrática. Alguns, até, vozeiam, com competência e aplauso do aulicismo, teses bem urdidas com que asseguram sua presença como comensais no banquete da indignidade nacional.
A situação não é nova: o povo também preferiu o ladrão Barrabás a Jesus, mandando-o para a cruz. Ao final, a gloriosa memória de Jesus venceu. A experiência se repetirá, acolhendo o nome de gente como o juiz Sérgio Moro entre os grandes a enriquecer o Panteon de nossa História.
Joaci Góes
TRIBUNA DA BAHIA