Ao eminente amigo, Ministro Washington Bolívar!
Ontem, 1° de março, importantes instituições deram início ao conjunto das homenagens à memória de Rui que completou um século de seu passamento. Por ocasião do seu sepultamento, no Rio de Janeiro, o Brasil reagiu como se tivesse sepultado um Deus, tamanho era o prestígio do grande morto, o maior que já desfrutou um brasileiro, em qualquer época. À beira do esquife, João Mangabeira, falando em nome da Bahia e da Câmara dos Deputados, repetiu as palavras de Henrique III diante do corpo do Duque de Guise, aumentado pela rigidez cadavérica: “Morto, parece ainda maior que vivo”.
Rui é a mais consagradora unanimidade nacional no campo do saber, tendo como elemento de proa um insuperável poder de argumentação. De fato, ele é visto como o máximo da erudição, da cultura e da inteligência nacionais, o maior conhecedor do Direito, o grande formulador da política multilateral brasileira, bem como o maior defensor da liberdade, além de chefe de família exemplar. São poucos, de fato, os brasileiros que a ele comparados não pareçam pequenos.
No domínio do nosso idioma, da história, da literatura, da filosofia e no vasto conhecimento de todos os ramos do Direito, sua presença traz a marca indelével do gênio. Seu conhecimento e ações pelo aprimoramento de nossas instituições estão presentes nos textos que nos legou em sua atuação como advogado, conferencista, articulista, parecerista, epistológrafo, moralista, político e diplomata. O produto desse labor incessante ocupa cerca de 150 volumes. Em nosso idioma, ninguém produziu tanto.
Observe-se, porém, como singularidade, que Rui nunca escreveu um livro. De toda sua incomum operosidade o que mais se aproximou da rotina própria para escrever um livro foi a tradução que fez, do alemão para o português, em 1877, aos vinte e sete anos, de O Papa e o Concílio, trabalho que o catapultou para o mundo das letras.
Sua obra resultou dos afazeres diários, em cada um dos campos a que se dedicou. Em outras palavras: Rui, literalmente, escreveu no joelho, atendendo as demandas de cada momento. Essa peculiaridade serve para facilitar o dimensionamento de sua genialidade. Até onde sabemos, ninguém realizou tamanho feito.
Como orador, não há quem o iguale, como se pode ver dos inúmeros discursos que proferiu nas mais diversas situações. Não se conhece nada comparável à Oração aos Moços dirigida aos bacharelandos em Direito por São Paulo, em 1921.
Quando o Brasil e ou a língua portuguesa se impuserem ao interesse do mundo, a exemplo do inglês, do francês, do espanhol e do alemão, Rui será proclamado o maior orador da humanidade em todos os tempos, como repetia o historiador e humanista baiano Altamirando Requião, após empreender estudos comparativos a respeito do gênero.
Todo escrito de Rui traz a marca das construções definitivas, tanto pela exuberância da forma, quanto pela abrangência e profundidade dos argumentos expendidos. Nele, tudo exubera: o filólogo, o orador, o advogado, o jurista, o diplomata, o pedagogo, o jornalista, o estadista, o apóstolo da liberdade, o moralista, o artista da palavra. Aos que lhe negavam sensibilidade poética respondeu com a oração de despedida que proferiu, em nome da Academia Brasileira de Letras, à saída do esquife de Machado de Assis, em 1908, considerada uma das páginas mais sublimes da língua portuguesa.
Acrescente-se que Rui pautou sua vida por inquebrantável retidão na conduta privada como na pública, além de exibir reconhecida coragem moral em sua ação como advogado e político eminente, a ponto de levar o famoso senador gaúcho, Pinheiro Machado, a dizer que “no extraordinário baiano a coragem é superior ao próprio talento”. É natural que seja o patrono dos advogados brasileiros.
Rui foi tão grande que mesmo quando avaliado pelo diapasão demolidor do mais implacável dos seus críticos, Raimundo Magalhães Júnior, escritor de inegáveis méritos, no livro Rui, o homem e o mito, o que resta de positivo seria suficiente para fazer dele uma estrela de primeira grandeza no cenário mundial. É pelo conjunto dessas razões que se construiu em torno do seu nome a mais ampla bibliografia que uma personalidade já inspirou no Brasil, como não há quem o supere no número de ruas, praças, avenidas, cidades, prédios, monumentos e entidades com o seu nome.
Uma prova de sua antevisão foi o funesto diagnóstico que fez do marxismo, em 1921, com estas palavras em brasa: “Esta filosofia da miséria, proclamada em nome dos direitos do trabalho, uma vez executada, não faria senão inaugurar, em vez da supremacia do trabalho, a organização da miséria”.
JOACI GÓES