Por Joaci Góes
Ao querido amigo Benito Gama!
Em recente artigo intitulado Era uma vez o Nordeste, o conhecido homem público baiano – Secretário de Estado, Constituinte e Senador da República – Waldeck Ornellas, especialista em Planejamento Urbano Regional, autor do livro Cidades e Municípios: Gestão e Planejamento, discorre sobre o processo evolutivo das políticas federais, com ênfase na atual reforma tributária, que culminaram na fratura exposta da federação brasileira, com seus desequilíbrios regionais de desenvolvimento, fator impeditivo da eficácia de políticas que não levem em conta essas disparidades, nos diferentes aspectos econômicos, sociais, administrativos e, até, eleitorais. Como os incentivos regionais concedidos ao Nordeste são de fácil visibilidade, fica a falsa impressão de que nossa Região não tem jeito, ilusão que embota a percepção das massas que não percebem os invisíveis estímulos setoriais que ampliam a distância entre o desenvolvimento do Nordeste vis-à-vis outras regiões do País. O texto de Waldeck é substancioso e merece ser debatido nos centros que lideram o desenvolvimento econômico regional, como as universidades e as entidades de classe, a tempo de influir na reforma tributária em curso avançado no Congresso Nacional, de modo a evitar a ampliação dessas aviltantes desigualdades inter-regionais.
Em sintonia com essa visão, e inspirados nos ensinamentos de Rômulo Almeida, conseguimos, depois de paciente articulação com outras regiões do País, incluir no texto constitucional o artigo 165 e seus parágrafos 5º e 7º que obrigam o Orçamento da União a ser elaborado levando em conta critérios demográficos para reduzir desigualdades regionais. Para que se tenha uma ideia da perda crescente de participação do Nordeste ao tempo da Constituinte, enquanto sua população correspondia a 30% da população brasileira, sua participação, no orçamento da União, era da ordem de, apenas, 10%. Para evitar uma elevação brusca, capaz de inviabilizar essa grande conquista, consentimos em sua crescente aplicação gradual, daí nascendo o artigo 35 das Disposições Transitórias, onde se lê: Art. 35. O disposto no art. 165 será cumprido de forma progressiva, no prazo de até dez anos, distribuindo-se os recursos entre as regiões macroeconômicas em razão proporcional à população, a partir da situação verificada no biênio 1986-87.
Em 1989 combinamos com o relator do Orçamento para 1990, Senador José Richa, do Paraná que a elevação gradual dar-se-ia, anualmente, com percentuais entre 2 e 3 %, de modo a permitir o desenvolvimento racional de projetos capazes de absorver esses avultados valores crescentes.
Como deixamos o Congresso em janeiro de 1991, aconteceu o inacreditável: nenhum parlamentar, entidade ou governante nordestino se sensibilizou para cobrar o mandamento constitucional destinado a interromper o galopante empobrecimento do Nordeste, assegurando-lhe uma histórica virada da maré vazante.
Logo após a promulgação da Constituição de 1988, a 5 de outubro, recebemos uma chamada telefônica de Rômulo Almeida que, com mal contida alegria, nos declarou: “Você realizou a mais importante conquista do Nordeste Brasileiro, em toda a sua História.” Uma pena que ele nos tenha deixado, de repente, pouco depois, em 23 de novembro de 1988, ainda no apogeu de suas melhores possibilidades, aos 74 anos. Se tivesse vivido um pouco mais, a ressonância da voz de sua autoridade, muito provavelmente, teria levado alguma liderança nordestina a impedir que dispositivo tão redentor virasse letra morta.
Uma comparação entre os valores com que o Nordeste contou no Orçamento da União e o que teria contado, a partir da nova Constituição, caso o dispositivo tivesse sido cumprido, aponta para uma perda média anual ao redor de cem bilhões de Reais, recursos suficientes para modernizar a infraestrutura física e social da Região, inclusive a dotação de saneamento básico aos 15 milhões de baianos que vivem, em média, 54 anos, contra os 79 dos que têm acesso a esse inestimável benefício.
Sim: cada povo tem os governos que merece!