As investigações da Operação Downtown revelaram que o Primeiro Comando da Capital (PCC) desenvolveu uma rede de hotéis e hospedarias no centro de São Paulo como resposta às operações que tentavam desmantelar o fluxo de usuários que por mais de uma década se concentrava entre a Alameda Dino Bueno e o Largo Coração de Jesus, na Luz. Essa infraestrutura, adquirida a partir de 2022, deu ao grupo criminoso a capacidade de transferir a Cracolândia para qualquer área do centro sem comprometer a logística do tráfico.
“Essa é uma investigação bastante complexa, que durou um ano”, disse ao Estadão o delegado-geral Artur Dian. Quatro departamentos da Polícia Civil foram mobilizados para ajudar o Denarc nas buscas, que buscam obter provas contra a organização criminosa. Os 124 locais alvos das buscas estão registrados em nomes de acusados de participação na facção ou de laranjas usados pelo PCC. Entre esses locais, há 78 hotéis e hospedarias, dos quais 26 são clandestinos e tiveram a interdição decretada pela Justiça.
Segundo o delegado Fernando José Santiago, da 4ª Delegacia do Departamento Estadual de Investigações sobre Narcóticos (Denarc), responsável pelas investigações, a política da Prefeitura de fechar antigas hospedarias, vedando a entrada com barreiras de tijolos na fachada, iniciada no segundo semestre de 2021, foi o gatilho que impulsionou a migração do fluxo de usuários no ano seguinte.
Acompanhando o deslocamento dos usuários pelo centro histórico de São Paulo, os policiais conseguiram demonstrar o controle exercido pelo crime organizado nessa ação. Eles investigaram as operações de compra e venda de imóveis na região para identificar quem estava adquirindo os hotéis, muitos deles por preços abaixo do valor venal – indicando que a ação da facção pode ter causado a desvalorização dos prédios.
Os investigadores descobriram ainda que cada uma das mudanças do fluxo de usuários pelo centro da cidade ocorrida em 2022 foi precedida pela compra de imóveis para dar suporte logístico ao novo lugar da Cracolândia. É que as hospedarias e hotéis seriam usados para a guarda e depósito de drogas e armas, servindo ainda de esconderijo para criminosos do grupo. Foi investigando esse movimento que a polícia chegou a um dos principais alvos da operação de hoje: os estabelecimentos controlados por Marcelo Carames, de 45 anos, apontado como o gerente do tráfico de drogas do PCC na região.
Ele teria idealizado o esquema por trás da migração da Cracolândia. Ele era dono de hospedarias na Alameda Dino Bueno e no Largo Coração de Jesus, que foram emparedadas em 21 de outubro de 2021. O fluxo se concentrara ali durante uma década. O comerciante adquiriu, em dezembro daquele ano, duas novas hospedarias na Avenida Duque de Caxias, próximo da Praça Princesa Isabel, para onde o fluxo seria transportado pelo PCC no dia 19 de março de 2022.
Segundo a investigação, Carames comprou ainda uma nova hospedaria, a Pensão Paraíso, na esquina entre as ruas dos Gusmões e do Triunfo, a uma quadra da Rua das Protestantes, em 3 de junho de 2022. No dia 29 daquele mês, o fluxo se mudou para ali, estabilizando-se nessa área até hoje. Em 20 de março de 2023, o acusado comprou o Hotel Tupy, na Rua dos Gusmões.
“Carames por duas vezes se antecipou dias antes à migração dos dependentes químicos, estabelecendo hospedarias nos exatos locais para onde o ‘fluxo’ iria se fixar dias depois, o que deixa claro o envolvimento dele com a migração dos usuários de drogas no centro histórico”, afirmou o delegado Santiago. O Estadão não conseguiu localizar a defesa de Carames e a dos hotéis investigados pelo Denarc.