Profissional de saúde prepara dose de vacina contra a Covid-19
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Mensagens viralizaram em grupos e nas redes sociais, nos últimos dias, com declarações do cientista francês Luc Montagnier, ganhador do Prêmio Nobel de Medicina em 2008. O virologista que primeiro isolou o vírus da Aids teria afirmado, entre outras coisas, que “os não vacinados salvarão a humanidade”.
Entre as versões de publicações sobre o assunto, recebemos uma que traz um atalho para artigo de um site espanhol; no corpo da mensagem está a tradução das declarações feitas por Luc Montagnier durante a manifestação. Esse ato ocorreu no mês passado e o cientista francês foi o convidado de honra, em razão de suas declarações contra as vacinas.
Nós localizamos uma reportagem do jornal L’Unione Sarda sobre a manifestação e um vídeo com a íntegra das declarações de Luc Montagnier durante o ato. O cientista falou aos manifestantes com a ajuda de um tradutor, que convertia as declarações do francês para a língua italiana. Entre as declarações, ele disse a frase que dá título à maior parte das mensagens viralizadas.
Montagnier disse que “são os não vacinados que podem salvar a humanidade”. Ele também declarou que “essas vacinas não protegem absolutamente”. Ele chama as vacinas de “experimentos científicos” que, “em vez de proteger, como indicado, podem até promover outras infecções”. E o premiado cientista francês diz ainda que “é um crime absoluto dar essas vacinas às crianças hoje”.
As informações sobre as declarações de Luc Montagnier, o contexto em que elas foram proferidas e as frases citadas, portanto, estão corretas nas mensagens viralizadas. O conteúdo das declarações, no entanto, é formado por uma série de conclusões e dados que são contestados por médicos, cientistas e entidades internacionais de saúde, ciência e vigilância sanitária.
Análise das declarações do virologista francês
A frase do texto em destaque, que afirma que os não vacinados vão salvar a humanidade, por exemplo, não reflete os dados da vida real. As estatísticas de internações e mortes mostram que o risco de uma pessoa que não está vacinada morrer ou ter um quadro grave de Covid-19 é maior que o de uma pessoa vacinada.
Na Itália, país em que Montagnier deu essa declaração, por exemplo, segundo estatística divulgada pelo ISS (Instituto Superior de Saúde), a taxa de internação de não vacinados é cerca de 40 vezes maior do que a de vacinados com a dose de reforço.
Ainda durante o discurso, ao falar sobre as vacinas de RNA mensageiro, como a da Pfizer e a da Moderna, o cientista alegou que as “proteínas usadas eram tóxicas, um veneno”, ao se referir à proteína Spike.
Essa proteína, que faz parte do Sars-CoV-2, causador da doença, é responsável por fazer com que o vírus invada as células do corpo humano e as contamine. As vacinas que utilizam a tecnologia de RNA mensageiro contêm traços dessa proteína sintetizada, para que o sistema imunológico das pessoas que venham a se contaminar com a Covid-19 conheça as características do vírus e aprenda a reconhecê-lo e combatê-lo.
O infectologista Renato Kfouri, da Sociedade Brasileira de Infectologia, explicou que a contaminação pela Covid-19 nos expõe “a trilhões” de vezes mais proteínas Spike do que as encontradas na vacina.
Ainda no discurso na praça milanesa, o médico francês pediu “aos colegas” que parem de vacinar as pessoas com os imunizantes disponíveis. No entanto, os principais órgãos reguladores do mundo, como a OMS (Organização Mundial da Saúde), a FDA (Food and Drug Administration), o CDC (Centro de Controle de Doenças nos Estados Unidos) e a EMA (Agência Europeia de Medicamentos,) aprovaram e atestaram a segurança das vacinas que estão em uso.
A aprovação das vacinas por organismos internacionais também desmente a classificação que Luc Montagnier fez dos imunizantes como “experimentos científicos”. Há vacinas contra a Covid-19 que usam tecnologias tradicionais na produção de imunizantes e outras que utilizam tecnologias inovadoras. Mas todas passaram por fases de testes científicos, com resultados publicados e revisados por pares e aprovação dos órgãos reguladores mais reconhecidos do mundo.
Além dos testes científicos e da aprovação dos órgãos reguladores, as vacinas contra a Covid-19 já apresentam um volume de aplicação no mundo suficiente para a avaliação dos seus resultados.
Segundo o site Our World in Data, ligado à Universidade de Oxford e que faz o monitoramento de dados de todo o planeta, já foram aplicados mais de 10,14 bilhões de doses no mundo, com 20,72 milhões de doses aplicadas a cada dia. No total, apesar da distribuição injusta das doses de vacina pelo mundo, 61,2% da população mundial já recebeu pelo menos uma dose de vacina contra a Covid.
Para o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, a vacinação em escala global, com 70% da população mundial imunizada até a metade de 2022, é fundamental para acabar com a pandemia. Mas é necessário também que os países pobres tenham acesso a mais doses da vacina. Considerando-se somente os países de baixa renda, apenas 10% da população recebeu pelo menos uma dose da vacina, segundo o Our World in Data.
Luc Montagnier e sua escalada antivacina
O virologista Luc Montagnier é um cientista efetivamente importante, que ganhou o Nobel de Medicina por ter sido o primeiro a isolar o vírus HIV, causador da Aids. Depois que recebeu o prêmio, em 2008, junto com a pesquisadora Françoise Barré-Sinoussi, ele fez declarações que geraram contestações da comunidade científica.
Em 2009 ele fez um estudo para defender a eficácia do princípio de diluição usado na homeopatia. O estudo foi considerado de baixa qualidade e contestado por cientistas de todo o mundo. Em 2012 ele participou de uma conferência promovida por um grupo antivacina e defendeu um novo tratamento contra o autismo baseado em conceitos sem comprovação científica.
Em 2020, no início da pandemia, Montagnier afirmou que o Sars-CoV-2 tinha sido criado acidentalmente no laboratório de Wuhan quando os cientistas tentavam criar uma vacina contra o HIV. A justificativa seria o fato de ele ter identificado partes do vírus da Aids no genoma completo do coronavírus. Vários cientistas contestaram o argumento dizendo que é comum encontrar sequências semelhantes em outros vírus, sem que haja relação entre eles.
A adesão de um cientista conhecido mundialmente e ainda com um Nobel no currículo tornou Luc Montagnier uma celebridade entre os grupos antivacina de todo o mundo. Não à toa ele foi o convidado de honra na manifestação em Milão, na Itália, quando fez o pronunciamento usado nas mensagens que estão sendo muito compartilhadas aqui no Brasil.
No entanto, algumas vezes os grupos de militância contra as vacinas creditam ao cientista algumas declarações que ele não fez.