Na noite da última quarta-feira, quando o TSE anunciou o resultado da partilha dos R$ 4,96 bilhões destinados ao financiamento das campanhas eleitorais por ato legislativo que derrubou veto presidencial, me sobreveio justa indignação. Aquela dinheirama cortava pernas e asas da democracia.
É sabido que, com raras e louváveis exceções, detentores de mandato não votam contra o próprio interesse. É para redução de riscos pessoais que não votam o fim do foro privilegiado nem a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.
Normal é a ampliação dos próprios benefícios. Mantêm o milionário privilégio das emendas parlamentares para jogar o dinheiro vivo – e sofrido – de nossos impostos nos seus nichos eleitorais. A título de apoio à sua atividade pública, povoam os gabinetes com cabos eleitorais em permanente campanha pela reeleição. Não implementam o voto distrital nem adotam qualquer melhoria que possa colocar em risco a estabilidade de um sistema tão conveniente.
A esse abastecido e sempre atualizado cardápio, acresceu-se, a partir de 2015, a comodidade do financiamento público das campanhas eleitorais cujo fundão rapidamente evoluiu para a bolada acima referida. Quem vai mudar isso, por mais que a sociedade o deseje?
Ademais, surge a pergunta que poucos fazem: como é distribuído esse dinheiro dentro dos partidos? Imagine o poder que vai para as mãos do colegiado ao qual a tarefa esteja atribuída! É certo, e a experiência já comprovou, que há elevada discricionariedade nessa distribuição, constituindo-se tal poder em uma espécie de canga aplicada sobre as bancadas.
O produto final de toda essa artimanha é um ataque frontal ao natural desejo de renovação nos parlamentos, algo tão especialmente importante nas eleições de outubro. Se a democracia serve para expressar a vontade social, a nossa está desenhada para frustrar, para fraudar esse desejo. As ações e omissões de nossos congressistas, bem como sua surdez à voz das ruas, derivam das fornidas bases sobre as quais, ao longo de um inteiro quadriênio, operam em favor de suas reeleições.
É claro que pelo sistema anterior, com financiamento privado e teto de gastos, jamais o setor privado iria colocar quase R$ 5 bilhões nas mãos de candidatos e partidos. O resultado viria com campanhas mais modestas, que exigiriam mais trabalho prévio, maior sintonia com a opinião pública e com a voz das ruas. Esse sistema que escandalizou a nação na noite da última quarta-feira foi concebido e imposto pelos 11 gênios, os sábios da pátria, os tutores da sociedade, os devotos de uma democracia irreconhecível e de um Estado de Direito que se empenham em desestabilizar.
Sim, leitor, você tem razão. O que descrevi acima aumenta nossa responsabilidade, convoca nosso melhor discernimento, recruta nossa cidadania, suplica por nosso trabalho para eleger ou reeleger os melhores parlamentares. Sem estes, em número suficiente, não ocorrerão reformas que façam viger a vontade social que os atuais Congresso e STF, conjugando fantasmas fictícios e interesses reais, e agindo contra a democracia, trataram de obstar no quadriênio que se encaminha para o final.
Percival Puggina, membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.