Há menos de duas semanas, o sobe e desce em direção ao Parque Municipal do Boqueirão, na Chapada Diamantina, confirmou a suspeita de moradores do Vale do Capão – um dos maiores invasores de terra voltou a ocupar a área de proteção ambiental. Homens vão e voltam com materiais como cercas e, no meio do parque, apareceu uma lona, semelhante à de um circo. Por medo, pessoas deixaram de frequentar o local.
Quem acompanha a disputa em torno do Parque Municipal do Boqueirão, no Vale Caeté Açú (nome oficial do Capão), distrito do município de Palmeiras, desconfia que o retorno de José Mariano Batista ocorreu há, pelo menos, um mês. O Ministério Público da Bahia (MP) comprovou, depois de vistorias técnicas, que Mariano invadiu e ocupou terrenos do Parque, criado por decreto em 2015.
Em setembro do ano passado, o órgão chegou a pedir a prisão de Mariano por crimes ambientais no Parque como a supressão de 500 m2 de Mata Atlântica e queimada em nove hectares (9 mil m²) de terra. A prisão solicitada à Justiça não ocorreu.
O CORREIO noticiou um dos primeiros capítulos do conflito entre a população local e o apontado como invasor de terras, que é nativo do Vale, em setembro de 2019. Desde então, os crimes ambientais continuaram, Mariano foi preso – por acusação de agressão -, e a briga judicial seguiu, com novos desdobramentos.
Área do atual Parque do Boqueirão(Foto: Relatório/Reprodução) |
Um primo de Mariano, identificado como Afonso pelo MP, também foi denunciado criminalmente por abrir uma estrada dentro do Parque, que tem 153 hectares, o equivalente a 150 campos de futebol, em tamanho. O promotor à frente do caso à época, Augusto Carvalho, afirmou que Afonso reconheceu o erro e tentaria um acordo judicial. A reportagem não conseguiu contato com Afonso.
A volta de José Mariano ao Boqueirão acontece num período de incertezas: a Prefeitura de Palmeiras não regularizou o Parque, como estava previsto num Termo de Ajustamento de Condutas (TAC) assinado com o MP em abril de 2019, e a Promotoria de Justiça Ambiental do Alto Paraguaçu, em Lençóis está sem promotor definitivo. A vaga é ocupada por um substituto, temporariamente, e o MP afirma que isso em nada prejudica os trabalhos.
No dia 4 de fevereiro, o órgão instaurou um procedimento para acompanhar o cumprimento do TAC. Entre os moradores do Capão que pedem a regularização do Parque do Boqueirão, a percepção é diferente: ninguém sabe exatamente com quem falar e como está o andamento da disputa pelo pedaço de terra em uma das regiões baianas que vive, hoje, um apogeu na especulação imobiliária.
As construções não param, os visitantes chegam a todo momento no Capão que, nos anos 80, passou a atrair turistas interessados no completo isolamento da localidade.
O Parque do Boqueirão se tornou um dos alvos desse boom imobiliário no Capão e a suspeita é de que a ocupação e o cerceamento das terras do Parque ocorram para venda de lotes. Uma tarefa tem 4,3 mil m² e custa, em média, R$ 50 mil. Imobiliárias dizem não fazer negócios dentro do Parque.
A responsável pela administração do Parque é a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Sustentável (Sedesp). A secretária está de licença. A reportagem procurou, desde o início da semana, um substituto para comentar a atual situação do Boqueirão com o retorno do acusado de invasão de terras. Nenhuma opção foi disponibilizada.
A reportagem teve, no entanto, acesso à informação de que a secretaria pediu acompanhamento da Companhia Independente de Polícia de Proteção Ambiental (Cippa) para visitar o parque.
Em áudio enviado às 14h19 da última quinta-feira (17), em um grupo de mensagens, uma representante da secretaria disse que “ninguém vai lá no Parque com a presença de Mariano sem a presença da polícia”. A Cippa foi perguntada quando isso aconteceria, mas não retornou até o fechamento da publicação.
Prefeitura de Palmeiras não dá respostas
A última reunião do Conselho Municipal de Turismo e Meio Ambiente e Turismo (Conturma) abordaria a novidade que já tinha corrido pelo Capão: o retorno José Mariano ao Boqueirão. Não estava na pauta oficial do dia, composta por seis tópicos, mas parecia inevitável que o assunto sequer fosse mencionado e respostas fossem, mais uma vez, cobradas.
Por falta de quórum, a reunião do conselho, formado por órgãos da prefeitura e membros da sociedade civil, não aconteceu.
Todos os ouvidos nesta reportagem pediram anonimato para dar entrevista, por medo de represália. Um deles é A., morador do Capão.
“Todas as vezes que perguntamos algo sobre o Parque é como se estivéssemos incomodando. Eles [Prefeitura] dizem que não tem orçamento, que estão em processo de licitações, eu realmente nem sei se vai ser levado a cabo esse TAC”.
Logo depois, ele acrescenta uma questão: “A prefeitura reconhece esse TAC? Eu não sei”. A dúvida tem fundamento. Em uma reunião da Conturma, que tem lugar na Câmara de Vereadores para debater temas relacionados ao Turismo e ao Meio Ambiente, o ex-procurador do município, que participava como convidado no encontro daquela manhã do dia 6 de maio de 2021, disse que “não existe nem esse nem nenhum outro TAC assinado”.
A fala caiu no vazio, mas intrigou os presentes. Afinal, o TAC está ou não reconhecido e assinado? O documento está, sim, rubricado pelo prefeito de Palmeiras, Ricardo Guimarães, segundo o documento disponibilizado pelo MP. O posicionamento desse órgão – com novo monitoramento do cumprimento dos prazos – e as reuniões com o prefeito de Palmeiras também descartam a possibilidade de o TAC inexistir.
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Prefeito de Palmeiras assinou TAC para regularizar Parque(Foto: TAC/MP) |