Duas falas, dois Brasis

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O Brasil é, sem dúvida, um país dividido. E, em tempos de embates narrativos, até a pipoca ou o sorvete podem se tornar símbolos políticos. No último domingo (6), na Avenida Paulista, Jair Bolsonaro soltou uma frase em inglês que viralizou nas redes: “Popcorn and ice cream vendors are convicted of attempting a coup in Brazil”. Traduzindo: “Vendedores de pipoca e sorvete foram condenados por tentar um golpe no Brasil”.
A fala, dita com tom firme e precedida pela confissão do próprio Bolsonaro de que “não sabe falar inglês”, não impediu que o bordão se espalhasse. Virou meme e, acima de tudo, uma poderosa ferramenta de comunicação política.
Recentemente, também, do lado do sistema, o ministro Alexandre de Moraes concedeu entrevista à tradicional revista americana The New Yorker, na qual apresentou sua visão sobre os riscos das redes sociais, citando Joseph Goebbels, o ministro da propaganda do regime nazista.
Esses dois episódios revelam muito mais do que aparentam. De um lado, a direita ganha musculatura ao internacionalizar o discurso sobre a erosão das liberdades no país. De outro, o establishment reforça, com um verniz jurídico, sua própria versão da história. Estamos no epicentro de uma guerra de narrativas: versões da realidade que competem entre si, com estratégias distintas e objetivos bem definidos.
Mas por que uma frase em inglês improvisado viralizou mais do que uma entrevista à imprensa internacional? Porque a comunicação política atual não se baseia apenas em conteúdo, mas em conexão. Bolsonaro, sendo um “homem do povo”, fala diretamente a uma audiência que valoriza a autenticidade.
Já Moraes, ao recorrer à figura de Goebbels, busca alertar sobre os perigos da manipulação digital. No entanto, acaba revelando algo ainda mais preocupante: a naturalização do controle estatal sobre os fluxos de informação. Ao fazer isso, expõe a contradição de um sistema que, sob o pretexto de proteger a democracia, ameaça seus próprios fundamentos.
A frase, “Se Goebbels estivesse vivo e tivesse acesso ao X, estaríamos condenados”, não apenas ilustra um medo legítimo, o da manipulação em massa, como também escancara uma tentativa de justificar o avanço da censura.
Afinal, com todas as suas falhas, a rede social X (ex-Twitter) ainda é uma das poucas plataformas na qual o contraditório sobrevive. Não é perfeita, nenhuma arena pública é, mas ainda permite que vozes dissonantes ecoem, que o debate ocorra, que as narrativas sejam confrontadas.
Aliás, não é de hoje que brasileiros, principalmente os perseguidos políticos, buscam repercussão internacional para a pauta da liberdade.
Outra situação atual, a entrada da justiça americana no caso de Filipe Martins, ex-assessor de Bolsonaro, mostra como essa disputa já transcende fronteiras. A direita, cada vez mais articulada, denuncia um sistema judicial partidarizado. O sistema, por sua vez, tenta vender a imagem de um país defensor da democracia.
Resumindo, o “popcorn and ice cream” de Bolsonaro pode soar caricato, mas é um símbolo. Representa, em linguagem acessível, a indignação de milhões de brasileiros diante de condenações desproporcionais e processos seletivos. É o grito popular.
E uma coisa é certa: o Brasil está falando. E o mundo está ouvindo. Com ou sem legenda.

MAGNO MALTA – Senador da República

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