Enpresárias e trabalhadoras de vários ramos da economia têm promovido mudanças importantes na economia lusitana, gerando emprego e renda, apesar de todo o preconceito que várias delas enfrentam
Carol do Acarajé, empresária – (crédito: Arquivo Pessoal)
Lisboa — As mulheres brasileiras já são a maior força de trabalho entre as estrangeiras que escolheram Portugal para viver. Elas passam de 200 mil e, seja comandando empresas, seja trabalhando por conta própria, têm contribuindo para a geração de empregos e renda no país. Os desafios, porém, são muitos. Um deles, superar o preconceito ainda entranhado em parte da população portuguesa contra quem vem de fora. A percepção geral é de que a luta está valendo a pena, Além de elas se firmarem como empreendedoras e profissionais qualificadas, os filhos têm tido a oportunidade de usufruírem de um bom sistema de educação, que os prepara para um mundo a ser explorado na União Europeia.
Para Patrícia Lemos, 52 anos, dona da empresa Vou mudar para Portugal, que, neste ano, projeta faturamento de 100 milhões de euros (R$ 560 milhões), não é fácil conciliar os papéis de mãe, de esposa, de empresária, de gestora e ainda ter vida social, mas o que importa são as conquistas. Ela atua, principalmente, no ramo imobiliário, que vive um boom em território português. Há uma demanda enorme por aluguel e compra de imóveis, e escassez de oferta, muito em função da chegada em peso de estrangeiros ao país, em especial, brasileiros e norte-americanos. Toda a atuação da companhia é on-line, o que reduz bastante os custos e agiliza os negócios. “A pandemia nos empurrou para a digitalização”, acrescenta.
Patrícia Lemos, dona de imobiliária on-line(foto: Arquivo Pessoal)
Patrícia desembarcou em Portugal em 2017. O primeiro ano no novo país foi de aprendizagem. Era preciso compreender a cultura, os gostos, a forma de viver dos lusitanos, as regras contábeis. “Essa curva de aprendizado é necessária para qualquer empreendedor”, ressalta. Assim que se sentiu mais segura, percebeu que chegara a hora de retomar a vida de empresária que tinha deixado para trás. A carioca já havia sido dona de um petshop e de uma agência de publicidade digital no Brasil. Experiência não lhe faltava. “Mas construir um negócio em outro país, sendo mulher e brasileira, não é fácil. E o ramo escolhido, totalmente digital, era muito incipiente em Portugal. Quando cheguei ao país, as pessoas pouco usavam o WhatsApp”, recorda.
Nesses seis anos de atuação da imobiliária on-line, Patrícia fez questão de manter uma empresa só de mulheres. “Praticamente, todas as mais de 20 funcionárias são brasileiras, imigrantes. Apenas uma é portuguesa. Isso nos fortalece. São mulheres que fizeram a mesma trajetória que eu fiz, que sabem o valor do negócio que criamos”, destaca. A consolidação da empresa em nada diminui o ímpeto empreendedor da carioca. Pelo contrário, ela se sente desafiada diariamente, e faz planos.
“A meta, agora, é aumentar a capilaridade da companhia por Portugal inteiro e começar a trabalhar outros mercados de imigrantes. Temos tido uma procura muito grande por parte de norte-americanos, que estão se mudando para o país em busca das mesmas coisas que nós: segurança, qualidade de vida, um sistema de saúde acessível, educação de qualidade”, complementa Patrícia. “Sabemos que esse processo de crescimento será desafiador, mas estamos convencidos de que o caminho escolhido é o correto”, frisa.
Lucro do acarajé
Nascida e criada na lendária praia de Itapuã, em Salvador, Carolina Alves de Brito, a Carol do Acarajé, 41, levou um susto quando recebeu um convite de uma família de portugueses para que ela fizesse as malas e fosse trabalhar com eles no Porto, a maior cidade do norte de Portugal. Os turistas haviam provado os quitutes que a jovem preparava com todo o carinho ali na praia e queriam que ela levasse a comida baiana para o restaurante deles do outro lado do Atlântico. Quando falou com a mãe sobre o convite, vieram os questionamentos e as dúvidas sobre uma mudança tão repentina de país. Mas Carol bateu o pé e disse que estava disposta a assumir os riscos. Se nada desse certo, retornaria para a casa e para a rotina de antes.
Já no Porto, com o restaurante funcionando a pleno vapor, a baiana começou a imprimir sua marca. Aos poucos, a clientela foi crescendo e o boca a boca difundindo as delícias preparadas pela jovem, então com 20 anos. O negócio prosperou e cinco anos se passaram, até que uma nova oportunidade se colocou no caminho da brasileira. Ela foi convidada para montar uma banca de comidas baianas numa comemoração do Sete de Setembro do Consulado do Brasil no Porto. Deu tão certo, que a Embaixada do Brasil em Lisboa resolveu repetir o evento três dias depois. Dali em diante, o destino de Carol estava selado.
Ela se mudou para Lisboa, onde foi trabalhar em um restaurante. Nas horas vagas, no entanto, passou a participar de feiras, a fazer jantares temáticos, a ocupar todos os espaços possíveis. Foram 10 anos nessa rotina pesada, mas prazerosa. Carol, sempre com a ajuda dos orixás, tinha a certeza de que era a hora de dar os próprios passos. Pediu demissão do restaurante e instalou a sua barraca na Casa do Brasil todas as quintas-feiras. Transformou aquele local numa pequena Bahia. Mais uma vez, o boca a boca falou alto e a noite do acarajé se tornou um point. Vinham pessoas de várias partes de Portugal para provar os quitutes que ela fazia.
Diante daquele sucesso, a jovem teve a certeza de que precisava ter o próprio espaço. E não se intimidou. Em 2017, abriu a primeira unidade do Carol do acarajé, no Bairro Alto, região boêmia da capital portuguesa. Os primeiros meses foram difíceis, tudo funcionava meio improvisado, mas o tempero da baiana era tão bom, que os clientes faziam filas à espera de uma mesa. No ano passado, em julho, a brasileira, a mais nova de 14 irmãos, finalmente conseguiu inaugurar a segunda unidade de seu restaurante. “Hoje, tenho 15 colaboradores, todos registrados”, faz questão de ressaltar. Se tudo correr bem, a próxima parada será no Porto, justamente onde a jovem sonhadora desembarcou, certa de que a vida lhe reservava muita coisa boa.
Desistir, jamais
A pernambucana Ana Paula Schwartz, 53, deixou o Brasil aos 21 anos em direção à Alemanha. Lá, casou-se e construiu uma bela carreira promovendo eventos culturais e no mundo da moda. Os filhos vieram e, 10 anos depois, havia chegado a hora de fazer novamente as malas para desbravar um outro país. O marido, um engenheiro alemão, tinha sido convidado para o projeto de construção da linha de trem que passaria por debaixo da Ponte 25 de Abril, ligando Lisboa ao sul do país. Ela, porém, teve pouco tempo para estruturar a nova etapa da vida. A filha, Karlianny, então com 7 anos, descobriu um câncer numa das pernas e o jeito foi retornar à Alemanha para um longo tratamento.
Ana Paula Schwartz, empresária do setor de eventos(foto: Arquivo Pessoal)
Mesmo nesse período mais difícil — a menina acabou amputando a perna —, Ana Paula retomou algumas de suas atividades empresariais, sempre compartilhada com ações sociais. Com a filha curada da doença — hoje, está casada e tem quatro filhos —, a pernambucana decidiu que o momento era de retornar a Portugal. “Quando cheguei, fui trabalhar em uma escola alemã, ensinando os alunos a cultura brasileira. Era uma atividade extracurricular, mas que fez tanto sucesso, que chegou a haver filas de estudantes para o curso”, conta. Nesse meio tempo, ela esboçou uma volta à Alemanha, mas, em 2000, teve a certeza de que seu lugar era Portugal.
Desde então, entre uma e outra passagem por Bruxelas, na Bélgica, Ana Paula construiu uma base de negócios que hoje é referência na área de eventos. “Já fiz de tudo. Levei o carnaval brasileiro para todos os cantos de Portugal, incluindo as pequenas aldeias. Produzi muitos festivais de música e de moda e criei cursos de dança. Projetos que me deram muita alegria e obtiveram grande repercussão”, afirma. Mas há um trabalho, em especial, que merece toda a atenção da pernambucana: o Miss Brasil Europa, que entrou para o calendário anual do Cassino de Estoril desde 2018 — só foi interrompido durante a pandemia do coronavírus.
“Não se trata de um concurso de beleza tradicional. Vai muito além de um rosto ou de um corpo bonito. Temos selecionado mulheres acima de 30 anos, casadas, mães. O principal foco na disputa é o conhecimento, o nível de educação”, descreve Ana Paula, que, em meio à gestão de eventos, se tornou uma expert no sistema de câmbio, auxiliando imigrantes nas remessas e nos recebimentos de recursos. A edição deste ano do Miss Brasil Europa começará a ser preparada em abril. Serão seis meses até o grande dia. “Com a consolidação do concurso em Portugal, o nosso objetivo, agora, é expandi-lo para outros países da região”, complementa.
Criatividade e empenho
Para a carioca Janaína Miluard, 51, que mora há quase quatro anos em Portugal, mais precisamente em Cascais, a vida lhe reservou ser empresária. “Estudei jornalismo e marketing, e não conclui nenhuma das duas faculdades. Fui, então, sendo levada para o mundo dos negócios. Em 2004, abri meu primeiro restaurante, o Palaphita, no Rio de Janeiro, em parceria com o meu marido, Mário, que é um grande empreendedor”, diz. Esse movimento deu tão certo, que acabou cruzando o Atlântico. “Eu fico a parte chata do negócio. O Mário cria, e eu faço com que seja rentável e funcione. Assim, nos complementamos”, emenda.
Na avaliação dela, empreender no Brasil sempre foi um desafio, devido às condições econômicas mais instáveis e à insegurança, uma vez que os empreendimentos são sempre abertos. “A vantagem, quando chegamos a Portugal, foi que viemos com uma marca consolidada”, frisa. O restaurante, que fica em uma área nobre de Cascais, com vista para o mar, abriu as portas em outubro de 2020, num período de pequena trégua da pandemia. Mas, a despeito dos percalços, do abre e fecha do comércio, o negócio prosperou. “Em abril, vamos inaugurar a segunda unidade do Palaphita em São Pedro de Estoril. Será um mercado com comidinhas. Estamos correndo com as obras”, destaca.
Janaína não tem dúvidas de que ela e o marido fizeram o caminho certo trocando o Brasil pelo país europeu. “Não era nosso objetivo morar em Portugal. Mas o Rio foi descendo a ladeira e pegamos o bonde certo”, ressalta, lembrando que, das três unidades do Palaphita na capital fluminense, apenas a que fica no aeroporto do Galeão continua funcionando. “É onde se toma a última caipirinha antes de se deixar o Rio”, brinca. Os restaurantes da Lagoa e do Jóquei fecharam.
A empresária está convencida de que todas as mulheres têm grande capacidade para o empreendedorismo. E não podem perder as oportunidades, seja no Brasil, seja em Portugal ou em qualquer outra parte do mundo. “Se você tem uma boa ideia e consegue executá-la da forma como deve ser, tem tudo para conquistar o sucesso em qualquer lugar”, frisa. Ela lembra que, na rede Palaphita, as mulheres sempre terão papel de relevância. “No nosso quadro de pessoal, elas são maioria, a gerente, a subgerente, a chef de cozinha, a subchef, a auxiliar, as atendentes. São muito comprometidas, pois as mulheres sempre têm de provar um algo a mais”, reconhece.
Interesse grande
Há quase dois anos em Portugal, a designer gráfica, ativista cultural e fotógrafa Pat Cividanes, 44, conta que, desde a sua chegada, o mercado luso a acolheu com muita boa vontade. “Já tinha algumas relações de trabalho com o país, mas, estando in loco, foi mais fácil furar as bolhas”, afirma. Para ela, há uma curiosidade grande por parte dos portugueses em relação ao Brasil, e de uma forma positiva.
“Isso, provavelmente, não é uma coisa exclusiva da área cultural, mas imagino que, nesse segmento, tal percepção seja mais nítida. Creio que o artista brasileiro sempre teve em Portugal um respaldo, um interesse grande, principalmente, em relação à música. Contudo, hoje a gente sente nas artes cênicas, em especial, uma presença muito forte brasileira. E isso é muito importante”, assinala.
Pat Cividanes, designer gráfica, ativista cultural e fotógrafa(foto: Arquivo Pessoal)
A paulista de Orlândia conta que a boa receptividade dos portugueses fez com que ela adicionasse de vez a fotografia em seu portfólio. “É um trabalho totalmente presencial, e tem me trazido bons resultados”, diz. “À medida que as pessoas vão conhecendo o seu trabalho, você vai furando bolhas. É claro que há dificuldades, mas, no geral, os resultados têm sido bem positivos”, acrescenta ela, que já faz planos. “Gostaria de trabalhar cada vez mais com artistas, não só portugueses, mas europeus, mas sem deixar de lado os brasileiros”, acrescenta.
Ela lembra que, antes da pandemia da covid-19, já trabalhava remotamente. “O designer gráfico traz essa oportunidade, que a fotografia não traz. Acabei de fazer, por exemplo, um material gráfico para um espetáculo na Noruega. Em Portugal, estou trabalhando em um material gráfico para o Festival Transborda, que acontecerá no fim de abril. Faço a identidade gráfica desse evento desde a primeira edição. Esta será a quarta. Portanto, realizo esse trabalho antes mesmo de me mudar para Lisboa. A tecnologia e a cultura nos trazem essa oportunidade”, detalha.
Pat enfatiza que as mulheres enfrentam desafios maiores que os homens, independentemente de onde estejam e da profissão que exerçam. “A gente aprende isso desde que nasce. A batalha é outra. Mas, da minha experiência pessoal, posso dizer que consigo furar bem os espaços. Me sinto recompensada”, diz. “Há outra coisa importante a ser dita: o espaço feminino criado nas artes performáticas em Portugal pelas mulheres trans brasileiras é muito forte. Trata-se de uma conquista e tanto, que deve ser exaltada e preservada”, complementa.
CORREIO BRAZILIENSE