CMN muda regime de metas de inflação depois de 24 anos

Destaque

Anúncio foi feito pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad

Fernando Haddad, ministro da Fazenda Foto: Ministério da Fazenda/Diogo Zacarias

Nesta quinta-feira (29), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou a alteração do regime de metas de inflação do país do sistema de ano-calendário (de janeiro a dezembro), que vigora desde 1999, para contínua. O anúncio ocorreu durante reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN).

O órgão também fixou o alvo a ser perseguido a partir de 2025 em 3%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto porcentual

– Eu anunciei ao CMN, porque isso é um ato de prerrogativa do presidente, uma mudança do regime em relação ao ano-calendário, de maneira que, agora, conforme já tinha manifestado minha simpatia por uma mudança nesse padrão, nós adotaremos a meta contínua a partir de 2025 – afirmou em entrevista à imprensa após a reunião.

Segundo ele, a mudança teve aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e foi tomada em comum acordo no âmbito do CMN durante a reunião deste quinta.

– Lula deu carta-branca para mim e Simone [Tebet] tomarmos a decisão que julgássemos mais conveniente para o momento – explicou.

O colegiado é composto pelo ministro da Fazenda, pela ministra do Planejamento, Simone Tebet, e pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

Tebet, que participou do anúncio, frisou que não houve objeção para a mudança do sistema e que a manutenção do objetivo de inflação em 3% está convergente com os indicadores de mercado.

– Os votos foram por unanimidade e não houve objeção. As expectativas do mercado e o Focus, do Banco Central, já mostram que em 2024, 2025 e 2026 estamos dentro da meta [de inflação]. Consequentemente, não tinha sentido [mudar esse nível] – disse, reiterando que esta também foi a análise técnica do Ministério do Planejamento.

Haddad explicou que a mudança a partir de 2025 foi definida porque será a data em que se iniciará o mandato do próximo presidente do Banco Central.

Os alvos de 2023 (3,25%), 2024 (3%) e 2025 (3%) já estavam estabelecidos pelo CMN, todos com banda de tolerância de 1,5 ponto porcentual para cima e para baixo. Com a mudança no regime, a meta de 2026 em diante também fica em 3%. As anteriores permaneceram inalteradas.

Haddad sinalizou que a meta continuará sendo de 3% nos anos seguintes a 2026, sem necessidade de mudança a cada ano.

– Meta contínua pode ser revista, mas é muito mais raro – disse.

Sobre a decisão da meta de 2026, ele afirmou que ela não foi antecipada para que se pudesse ter mais conhecimento sobre a conjuntura brasileira antes da definição.

– Nos reunimos para falar de 2026. Não houve alteração e mantivemos nos 3% em 2026, lembrando que o próprio BC sinaliza que, para 2025, (a inflação) já está no centro da meta – disse Haddad.

Ele frisou que Campos Neto havia se manifestado de forma favorável à mudança antes mesmo da reunião.

Haddad afirmou que foi decidido manter a meta em 3% devido aos indicadores econômicos e que os índices de preços têm mostrado queda acentuada.

O ministro ressaltou que a projeção para o IPCA (índice de inflação oficial do País) de 2025 já está praticamente em 3% e que Campos Neto já comunicou que a projeção de inflação de 2025 da autoridade monetária está em 3,1%.

– A mudança no ano-calendário é fundamental para o futuro do País O Brasil estará em sintonia com demais países do mundo – disse o ministro.

Haddad afirmou que o horizonte de atingimento da meta no novo regime de alvo contínuo será, na prática, de 24 meses, mas não deu mais detalhes sobre isso. Em outro momento, afirmou que o horizonte será definido pelo BC. No sistema de ano-calendário, a meta é apurada em 12 meses, no acumulado do IPCA de janeiro a dezembro.

“Na prática, se trabalha com 24 meses em horizonte de atingimento da meta. Horizonte, normalmente, é de 24 meses – disse, quando questionado sobre como será apurado o cumprimento do alvo estabelecido.

Segundo ele, a sistemática de meta contínua dá um prazo mais longo para a política monetária. Haddad fez um paralelo com países nos quais a meta é contínua, como os EUA, e afirmou que “ninguém” fica cobrando o BC pelo cumprimento da meta todo ano.

Para ele, no regime de ano-calendário, há uma pressão sobre a mudança da meta quando a inflação não está em trajetória de convergência, o que não ocorreria no regime contínuo.

– Meta contínua dá tranquilidade para a política monetária quando sabe que não irá atingir (a meta) de um ano para outro (…) Ninguém está cobrando do BCE (Banco Central Europeu) e do Fed (Federal Reserve, o BC americano) de atingir meta de 2%, porque sabem das consequências. Questão prudencial preocupou no exterior por alta de taxa de juros – destacou.

Harmonia entre política fiscal e monetária
Haddad ainda avaliou que “todas as incertezas” quanto aos rumos da economia foram dissipadas, com uma convergência do resultado fiscal, e que, por isso, o cenário concorre para o país ter uma “harmonização entre a política monetária e fiscal”.

– Sem harmonia entre políticas monetária e fiscal, resultados fiscais não aparecerão – disse o ministro, para quem o atual patamar de juros real traz “muito aperto” para a economia brasileira.

E continuou.

– Continuamos acreditando que déficit primário fique em 1% ou menos – afirmou,

Ele ainda defendeu que grande parte da trajetória da dívida pública é afetada pela política monetária, não apenas pela fiscal.

– De maneira que temos todas as razões para imaginar um ciclo consistente de cortes dessas taxas – repetiu.

Segundo ele, há “grande expectativa” no governo para que, a partir de agosto, o Banco Central promova “cortes consistentes” no patamar da taxa de juros.

– Em virtude do que os indicadores estão mostrando uma convergência – disse Haddad, citando a previsão apontada nesta quinta pelo BC em seu Relatório Trimestral de Inflação, de a inflação pode ficar em 3,1% em 2025.

O ministro ressaltou que a expectativa da Fazenda sobre o corte de juros também considera a preocupação com o crescimento econômico.

– Temos razões para nos preocupar com a desaceleração econômica que está sendo vista para 2024 – disse.

Para ele, o governo quer garantir para a sociedade um 2024 “melhor” que o ano de 2023.

– Entendemos que praticar taxa de juros de 9% em termos reais é algo que deveria ser revisto em proveito da sociedade, à luz dos indicadores, que está toda a nação brasileira acompanha – disse Haddad.

Proteção contra choques inflacionários
Para os especialistas, a mudança para a meta contínua pode ajudar o Banco Central a administrar choques inflacionários. Entre março de 2021 e agosto de 2022, por exemplo, o Copom elevou os juros de 2% ao ano para o atual patamar de 13,75% ao ano para tentar combater o aumento da inflação em função dos choques provocados pela pandemia.

– Essa mudança ajuda a ter uma volatilidade menor na taxa de juros, porque o BC passa a olhar sempre para um horizonte constante. Não precisa fazer movimentos fortes – afirma Rafaela Vitória, economista-chefe do banco do Inter.

E completou.

– Os choques de inflação levam tempo para dissipar. Às vezes, não precisa ter um custo tão alto. Eu falava isso no ano passado. [Na meta contínua] O ciclo poderia ter sido interrompido numa taxa de juros um pouco menor. Não teria o impacto negativo tão forte, desacelerando a economia e o crédito – acrescenta.

Um outro ponto destacado é o de que o novo regime reduz o risco de populismo econômico. Para cumprir deixar a inflação dentro dos limites estabelecidos pela meta, muitos governantes optavam por segurar tarifas de transporte público, preços de combustíveis e de energia elétrica.

*AE

.

Deixe uma resposta