Barbeiros brasileiros fazem sucesso em Portugal

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Murilo Gomes e Leonardo Souza são donos da Rota 351 Barber Shop, em Portugal. Barbearias de brasileiros têm se espalhado pelo país -  (crédito: Vicente Nunes/CB)

Murilo Gomes e Leonardo Souza são donos da Rota 351 Barber Shop, em Portugal. Barbearias de brasileiros têm se espalhado pelo país – (crédito: Vicente Nunes/CB)

Lisboa — Trocar de profissão depois dos 50 anos é difícil. Largar para trás a família, os amigos e o país em que se nasceu é mais complicado ainda. É preciso muita vontade de mudar e, sobretudo, resiliência para se reconstruir. Seis anos depois de encarar todos esses desafios, o carioca Luca Loureiro, 57, tem a certeza de que tomou a decisão correta. Ele não aguentava mais o estresse do trabalho como produtor cultural no Rio de Janeiro e ansiava por uma vida menos corrida e um emprego que lhe rendesse o suficiente para bancar todas as suas despesas. Em Portugal, tornou-se barbeiro e se juntou a um time de talentos que vêm fazendo barba, cabelo e bigode dos portugueses. “Simplesmente, me encontrei”, afirma.

O número de barbeiros brasileiros trabalhando em Portugal é impressionante. De Norte a Sul do país, é possível encontrar um profissional da tesoura que, como funcionário ou dono do próprio negócio, está difundindo um estilo que os portugueses incorporaram de vez. “Com certeza, nós, os barbeiros brasileiros, despertamos nos portugueses a preocupação com a estética, com um cabelo bem cortado, uma barba estilosa e uma pele bem tratada”, diz o paulistano Thiago Carvalho, 44, dono da Senhor Barbeiro, em Oeiras, cidade próxima a Lisboa. “Aos poucos, fui conquistando a confiança da clientela. Hoje, não sobra vaga na minha agenda diária. Ofereço um serviço exclusivo e diferenciado, que não existia em Portugal”, ressalta.

Desde a adolescência, Thiago ouvia do pai que ser barbeiro era um ótimo negócio. “Tinha de 15 para 16 anos, quando meu pai me chamou a atenção para a profissão. Ele citava como exemplo o sucesso da família de um amigo meu. Os sete irmãos abriram uma barbearia nas proximidades da nossa casa. O negócio prosperou tanto, que logo eles investiram em outros ramos”, lembra. “Ouvia aquilo e dizia que não tinha nada a ver comigo, e acabei seguindo por outros caminhos e me formei em publicidade”, complementa. A sacudida para a mudança ocorreu quando o paulistano foi demitido de uma grande multinacional, depois de 12 anos de serviços prestados na área de recursos humanos. “Não esperava aquilo”, destaca.

O choque da demissão havia sido forte. Fora da zona de conforto, Thiago lembrou-se do que o pai havia lhe martelado na cabeça quando menino. “Pensei, vou experimentar ser barbeiro”, conta. Ele se matriculou, então, naquele que, à época, era considerado o melhor curso de corte de cabelo em São Paulo. Em vez dos três meses tradicionais de aprendizado, estudou por quase um ano. “Quis me aprofundar no conhecimento das técnicas”, assinala. “Aprendi a cortar cabelo com uma mulher, que tinha sido aluna de dois dos maiores barbeiros do mundo, Lion Bergman e Robert Rietveld, que fundaram a Schorem, em Roterdã, na Holanda, e onde, recentemente, estudei por uma temporada”, complementa.

Não satisfeito, Thiago embarcou para Minas Gerais, para um período de aprendizado com o lendário barbeiro Elias. Depois de duas semanas de preparação, se sentiu pronto para abrir uma barbearia em um shopping de Santos, onde estava morando. Um ano depois, em 2012, encerrou o negócio, fez as malas e se mudou para Portugal. A chegada ao país foi mais fácil do que o imaginado, porque ele já tinha cidadania lusa, herdada do avô. No Porto, abriu um salão dentro de uma loja de um supermercado, na qual também atendia a mulheres. Há 11 meses, deu outro passo e abriu a atual barbearia, que, garante ele, é a sua realização profissional. “Não me vejo fazendo outra coisa, nem mesmo aos 75 anos”, afirma.

O goiano Murilo Dias Gomes, 36, está tão entusiasmado com o sucesso da Rota 351 Barber Shop, aberta há três anos e meio em parceria com o sócio, o rondonense Leonardo Valentim de Souza, 25, que já faz planos para ampliar o empreendimento. Os dois, que fazem a cabeça dos portugueses em uma loja em Almada, na região metropolitana de Lisboa, estão em busca de um novo ponto para montar mais uma barbearia. “Estamos estudando o mercado de Lisboa, que nos parece um pouco saturado, e de algumas cidades menores próximas da capital portuguesa. Queremos dar um passo bem seguro, pois é importante um investimento que dê retorno e que gere empregos”, diz.

Não foi fácil, porém, os primeiros momentos dos sócios, quando eles decidiram sair da condição de empregados em uma barbearia, com salários garantidos, para empreender o próprio negócio. “Houve dias em que o nosso faturamento foi zero. No primeiro mês, cada um de nós faturou 400 euros (R$ 2.250). Não dava para cobrir nem as despesas com o salão”, recorda Murilo. “Hoje, se perguntarem se estamos satisfeitos com as nossas receitas, direi que sim. Fazemos, em média, 500 atendimentos por mês”, acrescenta ele. “Os portugueses gostam do trabalho que nós, brasileiros, fazemos na área da beleza”, emenda Leonardo.

Murilo, que está em Portugal há pouco mais de seis anos, já trabalhava como barbeiro em sua cidade natal, Itumbiara. “Tudo começou por incentivo da minha mãe, que é cabeleireira. Fiz um curso em Uberlândia, Minas Gerais, e vi que tinha jeito para lidar com a tesoura”, comenta. A decisão de cruzar o Atlântico também teve a ver com a mãe, que vivia na Espanha há mais de uma década. “Mas escolhi Portugal para morar, por causa das similaridades com o Brasil. A língua é a mesma, a comida é parecida e o jeito de ser dos portugueses não é muito diferente, mesmo sendo eles um pouco mais fechados do que nós”, frisa. Com a barbearia indo tão bem e a vida tranquila que leva, não passa pela cabeça do goiano voltar para o país em que nasceu.

Planos nesse sentido também estão fora de cogitação para o sócio Leonardo. O jovem afirma que ainda tem um longo caminho a percorrer na direção que escolheu seguir. Ele conta que os primeiros contatos com a tesoura se deram quando ainda tinha 16 anos. “Comecei a cortar o cabelo dos meus amigos. Era um hobby que me dava prazer”, ressalta. Quando terminou os estudos, aos 18 anos, deparou-se com a dura realidade enfrentada por muitos garotos da idade dele: a falta de oportunidades no mercado de trabalho. “Não conseguia arrumar emprego. Foi aí que decidi fazer um curso de barbeiro”, lembra.

Profissionalmente, contudo, Leonardo só foi exercer a profissão em Portugal, para onde se mudou com a mãe. Na pequena cidade de Piau Novo, próxima a Lisboa, ele conseguiu o primeiro trabalho em uma barbearia. “De início, havia muita desconfiança dos portugueses em relação a minha capacidade profissional. Me faziam uma série de perguntas. Queriam saber por que eu estava trabalhando em vez de estudar e se eu realmente sabia cortar cabelo e fazer barba. À medida que fui mostrando o meu talento e toda a técnica que tinha, as desconfianças cessaram. Hoje, tenho o meu próprio salão, em parceria com o Murilo, e estamos nos preparando para expandir nosso negócio. Posso dizer que me encontrei nessa profissão e não quero saber de outra atividade”, afirma.

Na Barbearia do Ronaldo, também em Almada, é preciso paciência para encontrar um horário vago. O mineiro de Caratinga, Ronaldo Barros, 55, é requisitadíssimo pela vizinhança, que descobriu no salão que ele administra, além de um serviço de qualidade, um bom papo. “Os clientes gostam de ser bem atendidos. Temos facilidade para conversar e ouvir, e isso faz um bom diferencial”, destaca. “Como a minha barbearia é de bairro, 90% dos meus clientes são portugueses, e vários deles se tornaram meus amigos”, acrescenta. A barbearia foi aberta há sete anos, mas o brasileiro está na profissão desde 1987, que passou a exercer por acaso, quando o dono de uma barbearia em Caratinga se propôs a lhe ensinar as técnicas.

A mudança para Portugal há quase 20 anos, no entanto, veio acompanhada de uma proposta de emprego como ajudante de eletricista. O mineiro viu ali uma oportunidade para a vida nova e não questionou, mas bastaram três dias de trabalho para ter a certeza de que aquela não era a praia dele. Acabou se encaixando em uma barbearia, que trocou por várias outras até que surgiu a oportunidade de ter a sua loja. O ponto estava localizado em um local estratégico da cidade. Faltava, porém, o capital para transformar o sonho em realidade. “Aluguei o local, comecei as obras e fui para o Brasil, onde raspei toda a minha poupança”, relembra ele, que, anos antes, chegou a pensar em desistir de Portugal e retornar para Minas.

Inquieto, Ronaldo está às voltas com uma nova obra no salão. “Quero remodelá-lo, deixá-lo mais arrumado. Os clientes pagam, portanto, merecem ter mais conforto”, ressalta. No total, desde o começo do empreendimento, já foram investidos mais de 10 mil euros (R$ 56 mil) no negócio. “Mas não tenho do que reclamar. Meus clientes são fiéis, e eu gosto muito do que faço. Conquistei o meu espaço e vou terminar a vida sendo barbeiro”, frisa. Ele assinala que já teve vários brasileiros dividindo o salão com ele, mas, neste momento, está cuidado sozinho da clientela, que está mais do que satisfeita.

O mineiro diz que sua técnica é a tradicional, contudo, os barbeiros menos experientes têm procurado se especializar em outras formas de dar acabamento ao cabelo, à barba e ao bigode. “Há vários cursos para isso”, explica o mineiro. Os portugueses mais jovens gostam de replicar os cortes usados no Brasil, sobretudo, por jogadores de futebol, cantores e atores de novela. Muitos chegam às barbearias com fotos dos modelos que querem seguir. E, nesse ponto, os profissionais brasileiros fazem a diferença. São abertos a novas experiências e gostam da ousadia. “Isso explica o nosso sucesso em Portugal”, reforça Leonardo, da Rota 351.

Luca Loureiro ainda não conseguiu sair da posição de empregado para dono de uma barbearia. “Mas os meus planos nesse sentido já estão traçados”, afirma. Agora, a missão que lhe foi dada pela proprietária da Bratz Barber — uma portuguesa — é para que ele use todo o talento para atrair clientes brasileiros, que não param de chegar a Portugal. “A maioria da clientela do salão é de portugueses, mas já conquistei uma boa leva de brasileiros, muitos que desembarcaram em Portugal sem conhecer ninguém, sem ter uma referência de onde fazer a barba e o cabelo. Vários deles estão fidelizados conosco”, complementa.

Assim que pisou em terras lusitanas, Luca fez um curso profissionalizante, reconhecido pela União Europeia. Logo, começou a trabalhar. Ele não contava, porém, com a pandemia da covid-19, que levou muitos estabelecimentos a fecharem as portas. A sorte do carioca foi que os clientes que ele havia feito passaram a lhe chamar para cortar o cabelo na casa deles. “Esse serviço em domicílio me ajudou muito. E o atendimento deu tão certo, que alguns ainda continuam preferindo ser atendidos em casa. Assim, mesclo esses clientes com os da barbearia e, melhor, reforço o meu faturamento”, relata.

Para quem deu uma bela virada na vida depois dos 50 anos, Luca está sempre pronto para encarar desafios, contudo, prefere manter sempre os dois pés no chão. Assim, acredita ele, terá condições de, mais à frente, empreender. “A concorrência não é fácil, especialmente em Lisboa, onde trabalho. Além disso, os preços dos aluguéis de imóveis comerciais subiram muito”, enfatiza. “Já não sofro com as estreias de nove espetáculos por ano. Agora, tenho uma profissão que me acalma, que me permite trocar experiências e aprendizados com os clientes”, acrescenta. Os únicos assuntos proibidos nas barbearias são política e religião. Não há razão para embates desnecessários.

Essa cartilha é seguida à risca pelo paulistano Thiago Carvalho. “Um bom barbeiro não entra em polêmicas. É sempre educado e paciente, até porque as portas da loja estão sempre abertas para todos os públicos”, ensina. O brasileiro está se preparando para abrir outros pontos de atendimento, todos próprios, com a marca Senhor Barbeiro. Mas o que realmente está lhe tocando a alma é a possibilidade de criar uma escola para formação de barbeiros, focada num padrão de qualidade do atendimento. “É para passar o conhecimento adiante”, afirma. “O público português está ávido pelos serviços que prestamos”, conclui.

CORREIO BRAZILIENSE

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