Representantes de grupos ambientalistas que compõem o conselho gestor da Área de Proteção Ambiental (APA) das Lagoas e Dunas do Abaeté vão apresentar uma representação ao Ministério Público estadual (MP-BA) contra o município de Salvador por conta do projeto de urbanização da área, anunciado na última quinta-feira (10).
Dentro do projeto estão a construção de um prédio que vai servir como sede para a administração, sanitários, estacionamento e um núcleo de orientação ambiental (com um auditório para 50 pessoas). Uma escadaria de madeira, pavimentação, paisagismo, equipamentos de lazer, iluminação, passeio, deck e um mirante também estão no esbouço, bem como obras de micro e macrodrenagem.
Membra do movimento Stella4Praias, que integra o conselho, Clarice Bagrichevsky diz que a intervenção prevista para o local não pode seguir em frente. “Ali não se pode construir coisa alguma, nenhum tipo de equipamento, porque é simplesmente uma área que está dentro de uma APA, apesar de ser uma área da prefeitura”, disse a ambientalista.
A decisão da prefeitura de alterar um trecho do parque também não teria sido debatida no âmbito do conselho. A previsão é que a representação seja protocolada no parquet nesta quarta-feira (16), junto com assinaturas colhidas durante o “ebó coletivo” realizado pela Frente Nacional Makota Valdina na frente da Câmara Municipal de Salvador nesta terça-feira (15).
Para Clarice Bagrichevsky, o pleito ambiental é o maior foco da mobilização acerca do local, que além de ser um espaço histórico de culto religioso de matriz africana, é um ambiente de lazer conhecido da população de Salvador.
Compõem a iniciativa contrária ao projeto de urbanização o Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá), a Stella4Praias, o Fórum Permanente de Itapuã e outras instituições ligadas à preservação.
A prefeitura, no entanto, discorda da ideia de que as obras vão impactar negativamente na região. Ao Bahia Notícias, o secretário municipal de Infraestrutura e Obras Públicas, Luiz Carlos de Souza, disse que a infraestrutura que será erguida vai possibilitar aos frequentadores que possam estar no local.
A pasta comandada pelo gestor ficará a cargo da obra e, de acordo com ele, já está com as licenças ambientais em mãos. Ele afirma que houve um debate com pessoas preocupadas com o meio ambiente na localidade e a Universidade Livre das Dunas e Restingas do Abaeté (Unidunas), responsável pelo Parque das Dunas, vizinho ao aeroporto.
“Eles [a Unidunas] tinham um projeto muito maior, conseguimos convencê-los de que esse projeto modificaria visualmente o ambiente e conseguimos trazer uma discussão para algo que mantem o visual e preserva o local. Isso tá sendo bem dialogado”, acrescentou Luiz Carlos, defendendo que a forma como o Abaeté é utilizando pelos visitantes não é adequada.
A Seinfra defende também que o novo espaço que pretende construir no trecho não irá afetar a prática religiosa de nenhum grupo, incluindo os de matriz africana e matriz indígena, que protestaram na última quinta-feira (10), por conta da proposta do vereador Isnard Araújo (PL) que previa nomear o local como “Monte Santo Deus Proverá” e que tramitava na Câmara Municipal de Salvador até esta terça-feira (15).
“Acho que houve uma grande confusão sobre o projeto do vereador Isnard querendo oficializar o que popularmente já é consolidado”, disse, se referindo ao nome proposto pelo parlamentar como algo que “está na boca do povo”.
O teor da proposição de Isnard, apresentado à Casa em formato de projeto de lei, justificava que a nova denominação do trecho às margens da Avenida Dorival Caymmi se daria pela presença de “evangélicos e grupos neopentencostais que o frequentam com a intenção de realizar seus cultos em reverência e temor”. A “homenagem” teria como referência uma passagem bíblica.
Araújo retirou a proposta nesta terça-feira (15), após protestos de representantes religiosos e da manifestação contrária de vereadores, tanto da base governista quanto da oposição.
O prefeito Bruno Reis (UB), entretanto, na semana passada, negou que houvesse qualquer intenção da prefeitura em sancionar o PL, caso fosse aprovado pelo Legislativo. “Jamais mudaria o nome de um local tradicional e sagrado para todos os baianos”, disse o prefeito.
“O respeito com todas as religiões é uma marca da nossa gestão, principalmente de matriz africana. A Salvador que queremos sempre será do diálogo e do respeito com todas as religiões”, afirmou Reis.
Consultado pelo Bahia Notícias, o antropólogo Vilson Caetano, que estuda os cultos religiosos afro-brasileiros, apontou a importância do Abaeté como um dos símbolos identitários da Bahia, tendo os orixás como parte do mito de fundante da lagoa de águas escuras e arrodeada de areia branca cantada por Dorival Caymmi e representada por Jorge Amado na literatura.
“A história da Lagoa do Abaeté é que ela surge das lágrimas de uma mulher, certamente uma grande deusa, que vai até aquele lugar, se ajoelha no meio daquelas dunas e começa a chorar”, disse, falando sobre a necessidade das memórias populares para que o local seja lembrado de tal maneira.
Caetano diz que o local, consagrado à Ewa, orixá de origem iorubá, também é local de outras divindades, mas que “não há equilíbrio” com os episódios de racismo religioso vistos recentemente em espaços da APA das Lagoas e Dunas do Abaeté.
“A Lagoa do Abaeté não é das religiões de matriz africana, é um patrimônio de Salvador. Como você muda um bem desta natureza?”, provoca o antropólogo, ressaltando que a transformação do monte é uma tentativa de negação e apropriação de um ponto do mapa de Salvador que tem uma identidade.
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