Agências de inteligência dos Estados Unidos investigam a informação de que três pesquisadores do Instituto de Virologia de Wuhan (IVW) foram hospitalizados em novembro de 2019 com sintomas compatíveis com a Covid-19, antes do primeiro caso apontado pelo governo chinês, em 8 de dezembro daquele ano. A informação foi publicada na edição deste domingo (23) do Wall Street Journal, um dos mais respeitados veículos da imprensa tradicional.
O relatório ainda é confidencial, segundo informa o WSJ, mas detalhes, como a data da hospitalização e o número de adoecidos, foram vazados às vésperas do início da 74ª Assembleia Mundial da Saúde, nesta segunda (24), que é a instância máxima, um de corpo governante, da Organização Mundial da Saúde (OMS). A assembleia tem agendas marcadas até o próximo dia 1º de junho, mas o assunto é um só: a pandemia de Covid-19.
Uma fonte ouvida pelo WSJ garante que o relatado sobre os pesquisadores em Wuhan às autoridades de inteligência foi “muito preciso. O que não foi dito foi o motivo pelo qual [os pesquisadores do instituto de Wuhan] adoeceram”. Os detalhes desse relatório de inteligência confirmam um memorando (“fact sheet”) do Departamento de Estado dos EUA sobre a origem do coronavírus de 15 de janeiro deste ano, no fim do governo Donald Trump, que mencionava “alguns pesquisadores” que teriam ficado doentes no “outono [de setembro a dezembro, no hemisfério norte] de 2019”.
O memorando de 15 de janeiro não contém conclusões sobre a origem do vírus, mas relatava que os sintomas dos pesquisadores adoecidos eram consistentes tanto com a Covid, quanto com a gripe sazonal, e principalmente levantava questionamentos sobre a credibilidade das informações oficiais chinesas. A atual administração, do democrata Joe Biden, não negou qualquer das informações. Um representante atual do Departamento de Estado, Ned Price, disse que o memorando “não chegou a conclusões” e que foi um relatório que se concentrou “na falta de transparência em torno das origens”.
A médica virologista Marion Koopmans, uma holandesa que integra o time responsável pelo estudo de coronavírus de morcegos no IVW, revelou à rede americana NBC News, em março, que alguns membros do time da equipe adoeceram nos últimos meses de 2019, mas ela atribuiu a doença à gripe sazonal, “nada que se destacasse”. Já Shi Zhengli, a principal pesquisadora de coronavírus de morcegos no instituto de Wuhan, afirmou à equipe de investigadores da OMS que esteve na cidade chinesa este ano, que todos de sua equipe testaram negativo para anticorpos da Covid-19 e não houve mudanças de pessoal.
O instituto de virologia chinês não liberou os dados “crus” da extensa pesquisa com coronavírus de morcegos, que realizava até o início da pandemia, assim como mantém em segredo registros do laboratório e de segurança, afirma o Wall Street Journal.
Por sua vez, o governo chinês negou por diversas ocasiões que o Covid-19 tenha vazado de um dos seus laboratórios. Nesta segunda-feira, o porta-voz e vice-ministro das Relações Exteriores da China, Zhao Lijian, respondeu à matéria do WSJ, segundo relata a Bloomberg, durante uma coletiva de imprensa em Beijing: “não é verdade”. “Os Estados Unidos continuam a exagerar na teoria de vazamento do laboratório. Eles se preocupam com a rastreabilidade ou estão apenas tentando distrair a atenção?”, disse Lijian, que também sugeriu que a origem do vírus é uma base militar nos EUA: “Há suspeita sobre atividades em Fort Detrick e mais de 200 bio-laboratórios administrados pelos EUA”.
O diretor do Instituto de Virologia de Wuhan, Yuan Zhiming, que foi ouvido pelo Global Times, versão em inglês do Diário do Povo, principal jornal do Partido Comunista Chinês, seguiu a mesma linha: “Eu li [a matéria]. É uma mentira completa”. “As alegações não têm fundamento. O laboratório não estava ciente dessa situação [de pesquisadores doentes no outono de 2019] e eu nem sei de onde essas informações vieram”, disse o diretor IVW.
Investigação insuficiente
A equipe sancionada pela OMS que visitou Wuhan para investigar as origens do novo coronavírus e da pandemia, concluiu, num relatório assinado também por especialistas chineses, que a Covid-19 provavelmente se espalhou de morcegos para humanos através de outro animal, e que um vazamento de laboratório era “extremamente improvável”. Membros dessa equipe de investigadores, no entanto, já admitiram que não tiveram acesso aos “dados crus” da pesquisa conduzida pelo IVW, tampouco a registros originais do laboratório, de segurança ou de qualquer outro tipo.
No dia que o relatório foi divulgado, o próprio diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, admitiu que a equipe não examinou adequadamente a hipótese de o vírus ter escapado de um laboratório e pediu uma sondagem mais completa da ideia, lembra o WSJ.
Há dez dias, um grupo de 18 cientistas publicou uma carta na conceituada revista científica Science, que critica as conclusões do relatório dos investigadores da OMS. “Precisamos levar em conta seriamente tanto as hipóteses de transbordamento natural, quanto de laboratório até termos dados suficientes”, escrevem os cientistas, biólogos, imunologistas etc. das mais respeitadas universidades e centros de pesquisas dos EUA, Reino Unido e Suíça, entre eles Harvard, Stanford, Cambridge, UC Berkeley e outros. A carta pede uma “investigação adequada”, que seja “transparente, objetiva, direcionada por dados” e também “sujeita a supervisão independente”.