O advogado Pedro Henrique Duarte não está mais à frente da defesa da desembargadora Sandra Inês Rusciolelli, do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). O caso será liderado pela advogada Thais Bandeira, através da Associação dos Magistrados da Bahia (Amab). O advogado contudo continuará atuando na defesa do filho da magistrada, Vasco Rusciolelli, no curso da ação penal 953, que está suspensa no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O advogado conta que não está mais com a desembargadora por ter encerrado seu trabalho. Ele foi contratado por Sandra antes mesmo dela ser presa no dia 24 de março de 2020, na 5ª fase da Operação Faroeste. Pedro conta que desde o início ela manifestou o desejo de cooperar com a operação, fazendo uma colaboração premiada. O instituto jurídico é previsto no Brasil desde agosto de 2013, quando foi promulgada a Lei 12.850, que rege as normas para efetuação do acordo. “O desejo de firmar uma colaboração não surgiu ao longo do processo, nem surgiu quando ela estava presa, ocorreu logo após a realização de uma operação controlada, deflagrada no dia 17 de março de 2020”, frisa.
O primeiro escopo da delação foi apresentado no início de abril do ano passado, quando assinaram o Termo de Confidencialidade – marco inicial da colaboração. E foi aí que começaram a montar todo o “quebra-cabeça”.
Após terem sido presos, a defesa começou a coletar materiais para realização da colaboração. “Ela foi levada para Brasília e o filho, Vasco, foi conduzido para o Centro de Observação Penal [COP]. No início, a família contratou um advogado para manter contato com Sandra diretamente no presídio da Papuda. E eu ia diretamente ao COP para coletar informações junto a Vasco. Eles escreviam a delação a próprio punho. Nós digitávamos e tabulávamos”, explica sobre o trabalho inicial. Quando o advogado que atuava em Brasília saiu do caso, Pedro Henrique foi ao Distrito Federal diversas vezes de carro para conversar com a desembargadora, pois na época não havia voos diretos para a capital brasileira devido à pandemia.
A delação foi um marco na história do Judiciário brasileiro por ser a primeira firmada por uma desembargadora acusada de crimes de corrupção e também a primeira feita em parceria com outro acusado: no caso, o próprio filho da magistrada. Para além disso, ele acrescenta que a delação demonstra meios de obtenção de provas e o funcionamento das organizações criminosas que atuariam dentro do TJ-BA.
Em setembro de 2020, circulou em grupos de Whatsapp uma suposta delação da desembargadora. O documentou caiu como uma bomba no TJ-BA, e desde então, o advogado e a família de Sandra sofrem ameaças, inclusive de morte. A defesa nunca reconheceu a veracidade do documento circulado naquela ocasião. O advogado afirma que o padrão do texto não corresponde ao utilizado em seu escritório e que não havia marca d’água e nem o timbrado da banca, além de outros erros.
Pedro Henrique Duarte detalha que, na época, foi informado que houve uma invasão em seu computador e conta da Apple. Ele pediu investigação para saber a origem da invasão e dos acessos. Com a circulação da suposta delação, a família da desembargadora começou a receber mensagens da atual presidente da Amab, Nartir Weber, e assédio de outros magistrados e advogados potencialmente citados. Por conta das pressões, Sandra chegou a pensar em desistir da delação e, assim, proteger o filho. Ele também se tornou alvo de perseguições, sendo processado por vários citados. Para a defesa dos Rusciolelli, a pressão tinha um propósito: “Ficou claro para mim que essa ação orquestrada entre supostos citados na delação foi no sentido de anular o procedimento”, reafirma. Posteriormente, a delação oficial foi apresentada ao STJ e foi homologada, em julho deste ano.
Apesar de já ter atuado em outras delações, Pedro Henrique Duarte afirma que este caso em específico foi um aprendizado muito grande, por envolver diretamente operadores do Direito. “A desembargadora e o filho são muito inteligentes. Tanto que Sandra foi aprovada em primeiro lugar no concurso que prestou. O filho também foi aprovado em concurso do TJ-BA. Foi necessário cautela neste caso, pois o constituinte traz uma situação que quer que a gente entenda daquele jeito, mas o advogado tem que atuar tecnicamente e entender o todo”, pondera.
Para ele, o processo penal negociado é o futuro do Direito Penal no país, apesar de ter ônus e bônus para quem opta por fazer uma delação. “É preciso cautela para lidar com uma estrutura que envolve ego, poder, justiça, que envolve pessoas como empresários e políticos”. “Se o processo penal negociado alivia por um lado, traz consequências de outro. Quem delata é visto como o X9, dedo duro, informante. A pessoa sofre com ameaças e perseguições. Nenhum colaborador vive tranquilamente após uma delação. Além do mais, a pessoa, ao reconhecer os fatos, paga uma pena pecuniária alta”, comenta.
Apesar de ser defensor do instituto, Pedro Henrique afirma que “o processo de delação não pode ser banalizado e não pode ser anarquizado”. Diante da experiência da Operação Lava Jato, o advogado diz que ficou um aprendizado na Faroeste. “A delação não pode ter participação do juízo. Tem que ser feito com o MP ou a Polícia. Ao Juízo, só cabe avaliação de questões formais. Ele não pode avaliar se é verdade ou mentira o que fora dito ali. Se houver participação do juízo, se contamina todo o processo”, assevera.
Na vida da desembargadora, o advogado afirma que o processo não foi simples. “Quando você vê uma instituição como o TJ-BA, da qual você fez parte por 30 anos, desmoronando, e todo mundo lhe atribuindo culpa, dizendo que não é verdade o que foi dito ali… não é fácil de lidar”. Mas a opção de fazer delação foi para não passar por um processo penal tradicional angustiante. Ele recebeu críticas e “conselhos” de colegas da advocacia por atuar no caso, pois há divergências no meio jurídico sobre adoção do sistema de colaboração premiada.
JOGO DE DELAÇÕES
A desembargadora foi citada primeiramente pelo advogado Júlio Cavalcanti, primeiro delator da Operação Faroeste. Júlio era um dos principais operadores do esquema. No currículo dele está o fato de ter sido assessor do gabinete do desembargador Clésio Carrilho, já falecido, e investigado na Operação Leopoldo por venda de sentenças. Júlio também foi advogado deste mesmo desembargador na operação deflagrada em 2016 pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA). A esposa de Júlio era assessora no gabinete da desembargadora Lígia Ramos, também denunciada na Faroeste por venda de sentenças e atuação em parceria ao filho Rui Barata. Júlio entregou a desembargadora ao Ministério Público Federal (MPF) por vender sentenças ao grupo Bom Jesus Agropecuária, que disputa terras no oeste baiano com o borracheiro José Valter Dias – ligado ao grupo do “quase-cônsul” da Guiné Bissau – Adailton Maturino.
AÇÃO SUSPENSA
A ação penal 953 está suspensa no STJ por ainda não terem sido juntados elementos de provas reunidos pela Polícia Federal nas operações realizadas contra a desembargadora e o filho. A denúncia do MPF ainda não foi recebida pelo Órgão Especial do STJ. O acordo de delação premiada só poderá ser cumprido após eventual condenação na ação penal. O período em que mãe e filho ficaram presos serão descontados da pena prevista no acordo. Eles optaram por não cumprir as penalidades impostas antes do final da ação penal, mas já pagaram a multa pela venda de sentenças. Mãe e filho ficaram presos por seis meses, três meses a mais do que o imposto no acordo como regime fechado. Nesta ação, todos os cinco denunciados fizeram delação premiada: Sandra Inês e o filho Vasco, Nelson Vigolo, Vanderlei Chilante, e o próprio Júlio Cavalcanti.
DESDOBRAMENTOS
Os fatos delatados se desdobraram em inquéritos que serão investigados pelo MPF. No curso desses inquéritos, Sandra e Vasco deverão ser ouvidos novamente pela Justiça. O acordo de delação premiada está em sigilo devido a essas investigações que estão em curso.
ESTRANHAMENTO
O advogado Pedro Henrique Duarte afirma que o ministro Og Fernandes deferiu o acesso do conteúdo da delação para investigados na Faroeste e alvos da ação penal 1025 – como o ex-secretário de Segurança Pública, Maurício Barbosa e a ex-chefe do MP-BA, Ediene Lousado. Dois dias após o acesso ao conteúdo, o acordo foi vazado em grupos de Whatsapp.
VIDA QUE SEGUE
Pedro diz que mãe e filho tentarão seguir a vida após terem firmado o acordo de colaboração premiada. Ele conta que a família foi bastante prejudicada com a investigação, com perda de contratos de trabalho e problemas de saúde. O advogado diz ter uma convicção: que a desembargadora delatora agiu para proteger o filho. “A relação dos dois é muito forte”. Pedro Henrique Duarte também diz que houve arrependimento de seus clientes e reforça que o esquema de corrupção no TJ-BA era sistêmico: esse não é o primeiro, nem será o último caso de corrupção no tribunal mais antigo das Américas.