Crise de confiança abala o governo Lula

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Cristino Mariz/Agência O Globo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta um isolamento crescente, enquanto conflitos internos e uma articulação política falha no Planalto desencadeiam frustração entre aliados influentes no Congresso e na Esplanada dos Ministérios quanto à direção do governo. Nos bastidores do Congresso, vozes começam a exigir reformas radicais, iniciando pelo círculo íntimo do Palácio. Contudo, não se espera que tais mudanças ocorram antes das eleições municipais, segundo o entorno de Lula.
A rejeição da Medida Provisória do PIS/Cofins pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), revelou mais uma vez as deficiências na comunicação do governo e intensificou as tensões entre os dois ministros mais influentes: Rui Costa (Casa Civil) e Fernando Haddad (Fazenda), conforme informações da revista Valor Econômico.
Fontes consultadas pelo Valor no Congresso, no Planalto e na Esplanada relatam que o incidente ampliou a percepção de um governo desorientado e de que o embate entre Rui Costa e Haddad se tornou um entrave adicional, enfraquecendo ainda mais o diálogo já precário com o Legislativo.
A MP, assinada por Lula a pedido de Haddad em 4 de junho – durante a ausência de Rui Costa na China com o vice-presidente Geraldo Alckmin – não contava com apoio do setor privado, nem de Rui Costa ou do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.
O documento limitava o acesso a créditos tributários do PIS e Cofins para compensar os R$ 26 bilhões perdidos com a redução da carga tributária sobre a folha de pagamento. No entanto, provocou reações adversas em setores como o agronegócio e o mercado de combustíveis.
Haddad teria enviado a MP sem consultar os empresários “para impulsionar uma solução”, mas ficou descontente com a forma como foi anulada. O ministro soube pela imprensa da intenção de Lula em retirar a MP caso não fosse devolvida por Pacheco, após declarações do presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Ricardo Alban, em um almoço na CNA (Confederação Nacional da Agricultura).
Essa declaração, feita logo após um encontro de Alban com Lula e Rui Costa, criou entre a equipe econômica a impressão de que foi uma manobra para prejudicar Haddad, com indícios da influência do chefe da Casa Civil. Por outro lado, Rui Costa tem expressado insatisfação aos seus auxiliares por ser responsabilizado por Haddad sempre que algo dá errado.
No Congresso, aliados comentam reservadamente sobre a incompreensão da relação entre Haddad e Rui Costa. Eles observam paralelos na situação vivida por Haddad com o processo que resultou na demissão do presidente da Petrobras, Jean-Paul Prates – que estava em conflito com o PT, Rui Costa e Silveira – em maio.
A ausência de uma liderança centralizadora no governo gera uma crise de confiança; parlamentares estão incertos sobre quem confiar para encaminhar demandas. Eles também criticam o fato de Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais, estar afastado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Senadores experientes relatam dificuldades em acessar o presidente ou em serem convocados para colaborar.

Uma queixa recorrente é que Lula poderia interagir mais frequentemente com deputados e senadores para fortalecer laços. No entanto, parece haver problemas além da escassez de encontros privados. Recentemente, senadores discutiram sobre a diminuição da presença parlamentar em eventos no Palácio do Planalto.

Já não existe mais o estímulo anteriormente oferecido pelo governo para que os parlamentares participem de certas atividades. Segundo informações da revista Valor Econômico, essa mudança de postura é evidente.

Recentemente, em um momento descontraído no Senado, Omar Aziz (PSD-AM) provocou Ciro Nogueira (PP-PI), atualmente alinhado com Bolsonaro, com uma piada sobre Lula querer conversar com ele, ao que Nogueira respondeu com humor sobre a falta de uso de celular por Lula.

Para se comunicar com Lula, até os presidentes do Legislativo precisam passar primeiro pela primeira-dama, Janja da Silva, ou pelo chefe de gabinete, conhecido como Marcola, já que o presidente evita o uso de celular.

Diferentemente de seus mandatos anteriores, onde contava com figuras influentes do PT como José Dirceu e Antonio Palocci para negociações e articulações, hoje Lula está mais isolado. Ele parece preferir discutir assuntos legislativos apenas com Rui Costa, Padilha e líderes no Congresso, sem buscar outras opiniões.

Atualmente, percebe-se no Planalto uma inclinação do presidente para assuntos internacionais em detrimento das questões políticas diárias. Esse comportamento contrasta fortemente com suas gestões anteriores, onde ele tinha uma participação ativa na interação com o Congresso e na resolução de conflitos internos.

Aliados expressam preocupação com a ausência de um projeto marcante para o governo atual, diferentemente do que ocorreu com o Bolsa Família e o crescimento econômico nos mandatos anteriores.

Até mesmo um membro proeminente do PT teme que o governo atual seja recordado como uma administração “indiferente”.

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