No discurso de posse como ministro, Lewandowski ainda citou a infiltração do crime organizado no poder público
Ricardo Lewandowski Foto: Nelson Jr./SCO/STF
O novo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, decidiu manter no posto uma das autoridades da gestão de Flávio Dino que se reuniu com a mulher de um dos principais traficantes do Comando Vermelho no Amazonas. Ex-deputado federal pelo PSB de Goiás, Elias Vaz seguirá como secretário nacional de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, posto responsável pela articulação da pasta com o Congresso Nacional. Ao mesmo tempo, a nova gestão substituiu o antigo titular da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), Rafael Velasco Brandani, que também se encontrou com Luciane Barbosa Farias.
Casada com o traficante Clemilson dos Santos Farias, conhecido como Tio Patinhas, Luciane Barbosa Farias esteve no Ministério da Justiça pela primeira vez em 19 de março de 2023, quando encontrou-se com Elias Vaz.
Pouco depois, no dia 2 de maio, ela voltou ao MJ e se reuniu com Rafael Velasco Brandani e com outras duas autoridades do MJ: Paula Cristina da Silva Godoy, então titular da Ouvidoria Nacional de Serviços Penais (Onasp); e Sandro Abel Sousa Barradas, que era diretor de Inteligência Penitenciária da Senappen. O Ministério da Justiça ainda não divulgou se Paula Cristina e Barradas serão mantidos na nova gestão de Lewandowski.
No discurso de posse como ministro, nesta quinta-feira (1º), Lewandowski fez menção à infiltração do crime organizado no poder público.
– Já há notícias de que, tal como ocorre em outras nações, o crime organizado começa a infiltrar-se em órgãos públicos, especialmente naqueles ligados à segurança e a multiplicar empresas de fachada para branquear recursos obtidos de forma ilícita. Isso lhes permite expandir a sua ação deletéria sob territórios cada vez maiores, dificultando o seu controle por parte das autoridades estatais – disse o novo ministro da Justiça, que se aposentou do cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal em abril passado.
Quando o caso veio à tona, o Ministério da Justiça disse que a “cidadã”, como se referiu à Luciane, esteve no local como parte de uma comitiva, e que era “impossível” ao setor de inteligência da pasta saber de antemão da presença dela. A comitiva em questão era liderada pela advogada criminalista e ex-deputada estadual pelo PSOL Janira Rocha – ela foi afastada do partido ainda em 2013. Ela e Elias Vaz integraram a mesma corrente interna do PSOL, chamada Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MTL).
Recibos bancários apreendidos pela Polícia Civil do Amazonas (PC-AM) no celular de uma integrante do Comando Vermelho do Amazonas mostram três pagamentos do “contador” do CV amazonense, Alexsandro Barbosa Silveira, conhecido como Brutinho, para a conta de Janira Rocha, três dias antes da reunião com Elias Vaz em março. Os depósitos somam R$ 23.654,00. O nome de Luciane não constava na agenda oficial do ministério, mas o de Janira Rocha, sim.
À época dos fatos, Elias Vaz admitiu que “errou” ao “não ter olhado” os integrantes da comitiva de Janira Rocha.
– Eu não sabia que essa mulher tinha qualquer relação com facção ou atividade criminosa. Eu não perguntei qual crime o marido dela cometeu. E o erro que eu cometi, e eu admito, foi não ter olhado as pessoas que entrariam na minha sala – disse ele ao jornal goiano O Popular, à época.
– Nós vamos melhorar esse procedimento e ter mais cautela em relação a isso – disse.
No dia seguinte às reportagens, o Ministério da Justiça editou uma portaria com novas regras de acesso ao prédio. A pasta passou a exigir o agendamento com 48 horas de antecedência e o envio de nome e CPF de todos os participantes da comitiva. Uma simples checagem num mecanismo de busca da internet poderia ter revelado a relação entre Luciane Barbosa Farias e Tio Patinhas, pois esta já tinha sido noticiada pela imprensa local amazonense.
Após a publicação das reportagens, o próprio Ministério da Justiça espalhou versões falsas sobre o ocorrido. A pasta chegou a dizer, por meio da assessoria de imprensa, que “não houve qualquer outro andamento” para as demandas apresentadas pela ONG Liberdade do Amazonas, chefiada por Luciane Barbosa e financiada com recursos do Comando Vermelho, conforme recibos de transferências bancárias apreendidos pela polícia. No entanto, servidores da pasta trabalharam durante meses para responder a questionamentos feitos pela ONG.