Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
A proposta do governo que altera regras para o pagamento de dívidas do Estado reconhecidas pela Justiça (os precatórios) prevê a possibilidade de trocar o valor a ser recebido por ações de estatais.
A Constituição hoje já prevê que o recebedor possa usar os créditos na aquisição de imóveis públicos. O governo propôs estender essa opção para a compra de participação societária de empresas –de municípios, estados ou União.
O texto da PEC (proposta de emenda à Constituição) não traz detalhes de como seria feita essa troca e aponta para a necessidade de regulamentação do tema por meio de leis.
“É facultada ao credor, conforme estabelecido em lei da entidade federativa devedora, a entrega de créditos em precatórios para compra de imóveis públicos ou aquisição de participação societária do respectivo ente federado”, afirma o texto da PEC.
O texto com a exposição de motivos escrito pelo governo sobre a matéria menciona o item dizendo que os precatórios poderão ser usados como “moeda de desestatização”.
“Aprimora-se ainda o disposto no § 11, permitindo a utilização de precatórios, antes prevista para pagamento na compra de imóveis públicos, também como moeda de desestatização, para aquisição de participação acionária da União em empresas estatais”, afirma o texto.
O item pode representar um atalho do governo para se desfazer de estatais. O ministro Paulo Guedes (Economia) tem ligado as mudanças nas regras dos precatórios a uma agenda de diminuição do tamanho do Estado.
Paralelamente ao possível recebimento direto de ações de estatais por parte do credor de precatórios, a PEC também cria um fundo com ativos da União para o pagamento dessas dívidas. Ele será abastecido por fontes como vendas de estatais, vendas de imóveis públicos e concessões.
O governo reafirmou no texto entregue ao Congresso os motivos que o levaram a apresentar a proposta que parcela os precatórios, como o crescimento atípico de 60% na conta dessas dívidas para 2022 (de R$ 89 bilhões) –que “não encontra precedentes em processos orçamentários anteriores”.
“A inclusão do montante necessário à honra das sentenças judiciais ocupará espaço relevante que poderia ser utilizado para realização de relevantes investimentos, bem como aperfeiçoamentos de programas e ações do governo federal e provimento de bens e serviços públicos”, afirma o texto assinado por Guedes.
A proposta dribla o teto de gatos (que impede crescimento real das despesas) no momento em que o governo tenta fechar as contas para o ano que vem tentando acomodar pressões por despesas em diferentes frentes, depois que governo e Congresso deixaram de revisar gastos em outros itens.
O principal objetivo é abrir espaço para o Auxílio Brasil, o novo Bolsa Família, e para outras destinações em análise —como o reajuste para servidores.
Além do drible no teto, o governo inseriu na PEC dos precatórios um trecho que autoriza o Executivo a descumprir a regra de ouro das contas públicas mesmo sem um aval específico do Congresso. A regra busca proibir endividamento para despesas correntes.
Hoje, é preciso um projeto de lei aprovado pelo Congresso para descumprir a norma. Pela PEC, bastaria que os valores fossem aprovados no Orçamento (que ainda precisa passar pelos parlamentares).
Também impulsiona os números o interesse do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em lançar medidas para elevar sua própria popularidade, pressionando o time de Guedes contra as regras fiscais e levando interlocutores a constatarem que o Orçamento para 2022 é o mais desafiador dos últimos dez anos.
O texto da PEC foi entregue nesta segunda-feira (9) ao Legislativo. O governo aproveitou para dizer que as decisões judiciais que aumentaram despesas não se restringem aos precatórios.
O governo menciona especificamente decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, que vem retirando recursos da arrecadação federal por meio de abatimentos das empresas sobre os impostos devidos. Também cita um mandado de injunção do STF impetrado com o objetivo de regulamentar a Renda Básica Universal.
por Fábio Pupo | Folhapress