Falta pouco para a situação de disputa de terras no oeste baiano ser resolvida pelo Judiciário baiano. Após quase três anos da deflagração da Operação Faroeste, que investiga um esquema de venda de sentenças relacionadas a mais de 300 mil hectares de terra, a Justiça determinou o retorno da validade do acordo firmado com os proprietários das terras em junho de 2012.
Os terrenos, hoje valiosos, são disputados pela família do borracheiro José Valter Dias, família Okamoto, família Siroti e família de Bento Demarchi e pelas agropecuárias Grupo Bom Jesus, Sociedade Agropecuária Vale do Rio Claro, Algodoeira Goioerê – Indústria e Comércio. Um fato curioso é que a defesa dos interesses de boa parte desses grupos foi feita pelo advogado Felisberto Córdova, que ficou conhecido no Brasil por dizer que na Bahia “não havia nem 10% de juízes honestos”.
De acordo com o advogado do Grupo Bom Jesus, Rafael Araripe Carneiro, após a operação, houve um grande trabalho das instituições para garantir a segurança jurídica na região, como do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal (STF), além do próprio TJ-BA. “Todo aquele esquema [de corrupção] acabou. Hoje, estão nas posses aqueles que realmente detêm as matrículas válidas, que não foram anuladas pelo CNJ e nem pelo Supremo”, explica o advogado. Ele conta que, enquanto o grupo criminoso investigado pelo Ministério Público Federal (MPF) operava, era impossível apresentar memoriais sobre o processo aos magistrados, pois o caso já estaria “resolvido”. O “quase-cônsul” da Guiné Bissau, Adailton Maturino, possuía forte influência no TJ-BA no período em que foi presidido pela desembargadora Maria do Socorro Santiago e pelo desembargador Gesivaldo Britto.
O marco histórico da disputa judicial com o envolvimento do grupo do “quase-cônsul”, em março de 2016, foi quando o Conselho da Magistratura do TJ-BA manteve integralmente a Portaria CCI 105/2015, editada pela Corregedoria das Comarcas do Interior, para anular 300 matrículas de imóveis e tornando uma só em favor do grupo de Maturino. Antes disso, estava em vigor um acordo firmado em 2012, que ordenava a exploração dos terrenos. Após o ato do Conselho da Magistratura, o grupo criminoso passou a ter posse das terras e explorá-las economicamente.
Recentemente, mais precisamente no dia 7 de outubro de 2022, o juiz substituto de Formosa do Rio Preto, Carlos Eduardo da Silva Camillo, proferiu uma sentença em uma ação de reintegração de posse/manutenção de posse distribuída em 29 de maio de 1990, quando o magistrado em questão “possuía 12 anos de idade, demonstrando a morosidade do Poder Judiciário no Oeste Baiano”. Na sentença, o juiz relembra que houve vários recursos e decisões que levaram o processo a regressar para Formosa do Rio Preto para ter seu fluxo processual seguido normalmente, “sendo um processo complexo que contém mais de 13 mil páginas”. O juiz Carlos Eduardo destaca que leu todas as páginas do processo para chegar a esta decisão.
O magistrado assevera que o acordo celebrado em 2012 foi firmado após consenso entre as partes, que não apresentaram recursos, “sendo a decisão acobertada pelo manto da coisa julgada formal e material”. Após o trânsito em julgado, o juiz pontua que somente caberia questionamentos através de uma ação rescisória ou “querela nullitatis” para “desconstituir o título executivo judicial formado com a sentença transitada em julgado”. “Compulsando as mais de 13 mil laudas processuais, não temos nenhuma decisão desconstituído a coisa julgada formada na sentença”, frisa o juiz Carlos Eduardo. Por isso, considerou que todos os atos processuais posteriores à sentença que homologou o acordo “padecem de nulidade insanável, devendo ser desconstituídos pela presente decisão”. Diante disso, o magistrado decidiu que a posse deverá voltar aos reais possuidores beneficiados pelo acordo homologado judicialmente. Em caso de descumprimento da decisão, será aplicada uma multa de R$ 13 milhões, tendo em vista a capacidade financeira das partes envolvidas nos autos.
O QUE FALTA?
Para a situação ser pacificada de vez, segundo o advogado, é preciso delimitar as áreas pertencentes a cada proprietário. O acordo estabeleceu uma área de aproximadamente 43 mil hectares para José Valter Dias, mas que ainda não sofreu demarcação. Sem essa delimitação específica, a decisão pode ficar fragilizada. “Já tivemos um avanço muito grande. A situação hoje é muito diferente da de antes da Operação Faroeste”, avalia o advogado.
EFEITO FAROESTE
Segundo informações de bastidores, após a Operação Faroeste, o CNJ mudou procedimentos de sua segurança institucional, para evitar ameaças e assédios aos conselheiros, principalmente os que relataram os casos envolvendo o cancelamento de matrículas. Antes, era só informar em qual gabinete iria, se identificava e adentrava na unidade. Depois do “quase-cônsul”, a recepção confirma com o gabinete do conselheiro se aquela pessoa está autorizada a ingressar na unidade.
O ACORDO
O acordo restabelecido pelo juízo começou a ser elaborado em 2009, diante da idade avançada de José Valter Dias e Ildeni Gonçalves, contra a Família Okamoto, pioneira na exploração das terras do oeste baiano no início da década de 1980. O termo, entretanto, não chegou a ser homologado e gerou novos conflitos agrários na região.Três anos depois, o acordo voltou a ser discutido, com aditamento entre as partes, para “alcançar uma solução pacífica das contendas”.
No documento, a família Okamoto reconheceu que a família de José Valter Dias detinha o direito a 43 mil hectares das terras, “cujo tamanho real será apurado após as devidas mediações e georreferenciamento e que incide sob a matrícula 1037”. A família de José Valter Dias, por sua vez, concordou em transmitir para os Okamotos o restante da área remanescente, independente da quantia que vier a ser apurada. As duas partes também reconheceram que parte das terras pertencem a Assameinka e Algodoeira Goioerê. O documento foi reconhecido pelo Tabelionato do 1º Ofício de Barreiras.
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