(J.R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 17 de julho de 2022)
A Argentina acaba de chegar a 65% de inflação anual. Um negócio desses não é para qualquer um – coisa pior só vai se encontrar na Venezuela, ou algo assim, já no clube das economias em situação de rua e sem diagnóstico de estabilização. Não há moeda nacional; o único dinheiro que vale é o dólar, e há muito pouco dólar disponível na praça. O risco da Argentina, nas avaliações que medem a estabilidade econômica dos países, é maior que o da Ucrânia, com guerra e tudo. A dívida externa passa dos US$ 350 bilhões; ninguém sabe como se poderia pagar isso, e o país vive a ladainha das “missões do FMI”, dos “acordos com o FMI” e do “fora FMI”, coisas das quais o Brasil não ouve falar há décadas. A maioria da população não trabalha – vive, e vive mal, das esmolas que o Estado argentino criou e que se tornaram o alicerce da sua “política econômica”.
Cada uma dessas desgraças é fruto direto do “peronismo” – um sistema político, econômico e social de enriquecimento constante do Estado e de empobrecimento também perene da população. O Estado, por este sistema, concentra o máximo da renda nacional e assume a função de distribuir para as pessoas a riqueza que arrecadou; chamam isso de “justiça social”. Obviamente, na hora de fazer a distribuição do que foi arrecadado, os privilegiados pelo partido político do governo se dão muito bem, e a maioria da população fica com alguma coisinha. Não apenas fica com pouco: o sistema se opõe brutalmente à ideia de que o trabalho deve ser a fonte de sustento e de eventual prosperidade para a população, e força o máximo possível de argentinos a viver na dependência do Estado. Não há economia que possa funcionar assim.
É extraordinário, à primeira vista e diante de um fracasso tão claro, que um candidato à Presidência da República do Brasil, o ex-presidente Lula, queira fazer uma Argentina por aqui, caso seja eleito. É o que ele prega em público, com cara feia e voz irada; e ainda podem dar graças a Deus, porque, se reclamarem, ele vem com os “modelos” de Venezuela e de Cuba, suas paixões mais urgentes. Mas, à segunda vista, não há surpresa nenhuma. É esse, exatamente, o sonho de Lula para o Brasil: um país no qual o Estado é Deus, e o máximo possível de pessoas deve depender do governo para sobreviver. Podem ser funcionários públicos, ou empregados de estatais, ou aposentados, ou pensionistas, ou receptores de bolsas-família e outros mecanismos de doação – o que importa é que obedeçam a quem os sustenta. Lula já disse que a covid, que matou 600 mil brasileiros, foi uma “bênção”, porque fez o povo precisar do Estado. É o que ele quer.
REVISTA OESTE